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sexta-feira, 27 de abril de 2012

Eu defendo o seu uso cerimonial

         







           Eu, nascido no terceiro dia de fevereiro do ano de 1973, numa cidade litorânea do extremo sul brasileiro, e que atualmente ganha vida como funcionário público do estado gaúcho, escrevo para quem tiver olhos pra ler. A minha opinião, num primeiro instante, pode não significar muito, já que o meu número de seguidores em redes sociais é ínfimo e pertenço ao roll dos quase desconhecidos da face da Terra.
         Mesmo assim, não me furto em dizer aquilo que acredito. Assim sendo, quero deixar bem claro aquilo que eu defendo.
         Muito se tem distorcido, mas muito pouco se tem debatido sobre qual a melhor solução. Proibir radicalmente a maconha, trará paz e justiça social? Eu defendo o seu uso cerimonial. Assim o faço em coerência com meu estilo de vida. Isso eu declaro em favor dos pajés e rastas que sopram a fumaça pro alto.
         Aos políticos dessa minha terra, se quiserem dar-me importância, aqui vai a minha sugestão: Liberem, sem demora, o uso cerimonial da planta, para todos aqueles que consideram-na santa. Não faz sentido reprimir uma liberdade de culto que, ao final das contas, não prejudica ninguém. Basta que se tracem limites, para que ninguém imponha ao outro a sua própria verdade e as diferenças sejam respeitadas como partes de um grande todo.
         O que eu aqui falo, não tô mandando por recado. Esse sou eu e não mais ninguém. Defendo sem medo de estar errado. Afinal, quem é o culpado? É o usuário ou o traficante? Acima da relação comercial, tente entender, está o uso cerimonial . Uso daqueles que reverenciam as dádivas da planta e não a exploram como fonte de lucros fáceis.
        Respeito a Santa Kaya, que eleva a mente dos curandeiros da  nação e é por isso que defendo o seu uso cerimonial.
        Defendo porque sou grato a ela e uso porque os seus conselhos me guiam.





              Cesar S.Farias


                         




   
            

sábado, 14 de abril de 2012

O Anônimo Gourmet



          O fígado é a maior das glândulas existentes dentro de um animal mamífero e está unido ao diafragma através de pequenos ligamentos. O sangue, vindo do aparelho digestivo, passa pelo fígado antes de retornar para a circulação geral. Grande parte dos alimentos é alterada pelo fígado para tornar-se adequada ao uso do organismo. Ele remove da circulação os corpúsculos usados do sangue e usa o pigmento vermelho (hemoglobina) das hemácias na produção de bílis. Essa bílis é armazenada na vesícula biliar e, em seguida, despejada dentro do intestino, onde ajuda na digestão de gorduras.
A inflamação do fígado é conhecida em todos os manuais de enfermagem e medicina como hepatite. O órgão pode ser atacado por vírus da corrente sanguínea ou do aparelho digestivo. Quando isso ocorre, a bílis não consegue escapar do fígado e, dessa forma, vai para trás, dentro da corrente sanguínea, provocando a icterícia. Conforme o Dicionário de Termos Médicos e de Enfermagem, da Editora Rideel, icterícia é a “coloração amarelada que adquirem a pele e as mucosas por causa do aumento das taxas das bilirrubinas”. Qualquer que seja a causa, o paciente se sente extremamente mal, com vômitos, dores no abdome e sem apetite.
Em casos graves e irreversíveis de hepatite, nos quais os métodos alternativos convencionais de tratamento são considerados ineficazes, a única solução é o transplante hepático.  Retira-se  o órgão doente e coloca-se um outro fígado, inteiro ou parcial. Em 1968, o Dr. Marcel Cerqueira Cezar Machado realizou o primeiro transplante de fígado do Brasil.
Já em 2004, esse mesmo órgão, tão fundamental para o funcionamento da engrenagem corpórea, foi notícia e evidência na coluna “Cozinha Bem” do Jornal Restinga, periódico distribuído gratuitamente em estabelecimentos comerciais de um bairro na zona sul de Porto Alegre. Alguém que preferiu não se identificar, mascarado pela alcunha de “Anônimo Gourmet”, ofereceu a seus patrícios uma  receita que deu água na boca de muita gente:




Rolês de fígado à francesa

Ingredientes:

- 1 kg de bife de fígado em tirinhas
- Sal
- Mostarda

Recheio:

- 1 xícara de passas brancas e pretas
- 150 g de presunto picado
- 150 g de queijo prato cobocó ralado
- 1 caixinha de creme de leite
- 1 ½ maçã em cubinhos
- 1 copo de vinho branco

Molho Parisiense:

- 1 colher (sopa) de manteiga
- 1 colher (sopa) de maisena
- 1 cebola ralada
- 1 copo de leite
- 1 copo de creme de leite
- 2 gemas
- 1 copo de requeijão
- 100 g de nozes ou cogumelos
- 1 colher (sopa) de mostarda


Feitos os devidos ajustes culinários e depois de gratinado por 20 minutos, o prato atinge finalmente o ponto de ser degustado. O fígado do boi, animal de porte avantajado, vai deliciosamente parar no estômago.
“Fígado”, segundo o Minidicionário da Língua Portuguesa, da editora FTD, é uma “víscera intraperitonial situada na parte superior do abdome, à direita, com numerosas funções, entre elas a de secreção da bílis”.
A população bovina pode tranquilamente ser considerada uma privilegiada entre as espécies, já que o seu órgão em questão possui utilidades ainda mais abrangentes. Cumpre ele, num primeiro instante, o seu ofício dentro do aparelho digestivo. Em seguida, num segundo momento, pode ser temperado, refogado e mastigado. Os ligamentos com o diafragma são rompidos com pouca dificuldade, e uma faca afiada numa boa chaira corta, em poucos segundos, o que a natureza anatômica vai moldando desde o nascimento do indivíduo. Os cortes, quando executados por um profissional experiente, permitem a extração precisa da glândula, que, ainda banhada em sangue vermelho e quente, lembra uma medusa de carne. Uma vez separado do boi, assume o órgão morto um outro papel. Inanimado, sem capacidade de filtrar 1 miligrama de gordura sequer, o seu valor, antes funcional, passa a ser comercial. Vai para a geladeira e de lá só sai para satisfazer paladares como o do “Anônimo Gourmet”.
“Mais fechado que porteira de invernada.” Assim definiam-no os vizinhos. Até mesmo para divulgar a sua receita, preferiu o retraído homem esconder a real identidade, permanecendo oculto e incomunicável. Não deu endereço, telefone, email ou perfil no Orkut. Quis, isso sim, prestar um relevante serviço à gastronomia, sem para tanto receber reconhecimento e fama.
Por trás dessa comovente renúncia havia, contudo, um fato comprometedor, encravado como um espinho pontiagudo em seu passado. Algo mal resolvido, inacabado, pendente. Tinha uma dívida com a Justiça e, apesar disso, tentava, em vão, levar uma vida normal, como se fosse de fato um cidadão livre. Na sua consciência, de tempos em tempos, martelava uma máxima de Santo Agostinho transcrita logo no início do RDP. (Regimento Disciplinar Penitenciário):

É  melhor coxear pelo caminho do que
avançar a grandes passos fora dele. Porque
quem coxeia pelo caminho, embora avance
devagar, aproxima-se da meta, enquanto que
quem segue fora dele quanto mais corre mais
se afasta.

Era agora um competidor sem destino ou pódio de chegada, cheio de temores e incertezas. Ao ouvir sirenes ou avistar batidas policiais, o seu coração disparava acelerado, regado de adrenalina. É bem verdade que não tirava mais do crime o sustento da família, composta de duas filhas pequenas (uma de 4 e outra de 7 anos),  a mulher e um gato gordo. Trabalhava na oficina mecânica do cunhado, no Belém Novo, e todo o ordenado era rigorosamente aplicado em alimentação, aluguel, vestuário, remédios, colégio da guriazinha mais velha e dívidas a pagar. Sua pena em regime aberto, fruto de um roubo mal-sucedido em 1999, delito incluso no artigo 157 (roubo e extorsão), parágrafo 2, inciso I do Código Penal Brasileiro, fora interrompida.  Faltando ainda um ano e meio para cumprir a sentença de quatro anos de reclusão no Instituto Penal Reverendo Braz, não retornou de uma Saída Autorizada para consulta médica. Naquele dia, logo ao amanhecer, por volta das 7 horas, sua mãe levou ao Estabelecimento Penal um comprovante de marcação de consulta no Hospital Conceição com o Dr. Ribas, especialista do fígado.
            Conforme prevê o artigo 120 da LEP, a Lei de Execução Penal, todo apenado condenado em regime aberto tem o direito de ausentar-se do local de cumprimento da pena para obter assistência de saúde. Utilizando-se desta flexibilidade penal, própria do seu regime, saiu do Instituto pontualmente às 13 horas, sob a condição de retornar, sem escolta ou vigilância, às 16 horas e 30 minutos.
 "Fugir foi a única maneira que encontrei pra ajudar minha família, que tanto precisa de mim." Assim justificava-se ele perante os próprios olhos, sustentando convicto a opção de abreviar por contra própria a pena. Passear tranquilamente com as filhas era coisa de um passado distante, pois temia bastante ser reconhecido. Os fios da sua rede elétrica haviam sido recentemente furtados, e ele nem ao menos registrar queixa na delegacia pôde.  Estava com o CPF bloqueado, e isto lhe impedia de abrir crediário ou conta bancária. Era um quase pai, quase trabalhador e quase contribuinte.
É justo reforçar que ele estava bastante modificado, e nem beber como um condenado bebia mais. Seu trajeto diário era da casa para o trabalho e do trabalho para a casa. Recusou um tentador convite para assaltar uma padaria na zona-sul e tinha planos de montar a sua própria oficina.
A “marvada”, no entanto, acabou deixando sequelas irreversíveis. Tinha cirrose, doença hepática crônica que provoca o endurecimento do fígado e dores localizadas. Certa vez, durante uma crise aguda, precisou de atendimento na Rede Pública de Saúde, dirigindo-se ao Hospital de Pronto Socorro,  no Bom Fim. Transtornado, ébrio de dor, ao fazer o cadastro para ser atendido, acabou fornecendo o seu verdadeiro nome e endereço à recepcionista, mulher de um PM. Isso bastou para que a lei, com seus braços de estivador agarrasse-o novamente com força. Os policiais da Delegacia de Capturas fizeram-lhe uma visita surpresa, e ele hoje, detido em prisão fechada, com o fígado aos frangalhos, implora por consultas médicas na rua.










Cesar S. Farias










domingo, 8 de abril de 2012

O carteiro





Porto Alegre, 7 de dezembro de 2000.

          Espero que esta te encontre gozando da mais perfeita saúde e, mesmo um tanto quebrantada pela tua frieza em relação a mim, não deixei de querer a tua felicidade, acredite. Não pense que nada me custa aceitar essa nova realidade que se desenha tão tristonha ante o horizonte. Pelo contrário, ela muito me corrói por dentro. Talvez leve um longo tempo até que eu me esqueça completamente de ti, pois muitas coisas divertidas e gratificantes fizemos nós juntas. O passado é agora, no entanto, tudo o que temos para nos orgulharmos, já que apenas escombros restaram daquilo que um dia foi uma amizade.
          Esta é a terceira carta que escrevo sem obter qualquer resposta e percebo estarem sendo infrutíferas as minhas tentativas de reaproximação. Se ao menos eu soubesse o real motivo que te fez erguer esse muro de concreto frio entre nós, poderia argumentar ainda mais algumas linhas pra tentar reverter a situação. Torna-se inútil, porém, lutar contra um fantasma invisível que nos ataca sem que eu o enxergue. Tudo o que sei é que ultimamente andas evitando a minha companhia e nem as mensagens no celular me respondes mais.
          Saiba que não mais insistirei, pois estou fraca, exaurida e sem forças para escrever algo que talvez esteja sendo transcrito em vão. Lamento que acabe assim, sem quê nem porquê, a nossa ligação construída ao longo de muitos anos. Sempre gostei de receber cartas e executar todo aquele ritual que envolve o recebimento e abertura do envelope lacrado entregue pelo carteiro. Era, até então, a única amiga que me proporcionava esse prazer, mantendo comigo uma regular correspondência.
          Se vou conseguir substituí-la, isso é uma incógnita cruel. Faço desta missiva a minha derradeira saudação e o grito último de adeus. Seja feliz nesse teu novo mundo em que, decididamente, não consigo mais penetrar.

                                                  
                                                 Tenra e delicada é a flor da amizade.
                                                 Mas  se  o  verme  da desconfiança a
                                                 morde, fecha doridamente os olhos e
                                                 fenece.


Quando leu esta citação final, que encerrava a tão melancólica carta em suas mãos, Ângela percebeu que magoara a amiga de tantos anos. Sorriu um sorriso estranho, mórbido, expressando através dele toda a confusão e desordem mental que vivia naquele instante. Aquela folha de papel era agora um espelho onde se refletia um perfil que ela não havia ainda reparado em si própria. Essa autocontemplação causou-lhe uma imediata crise de consciência. A imagem que viu fez-lhe enrubescer e mentalmente começou a reconstituir os seus últimos encontros com Alice. Sem muito esforço, percebeu que havia de fato enxotado a amiga para outras pastagens, tratando-a com bastante frieza. A antiga intimidade entre elas tinha acabado há algum tempo, e isso lhe doeu naquela hora.
O orgulho a havia cegado de tal forma que só ali pôde finalmente colocar-se no lugar da outra. Tão inflamada havia estado que esquecera por completo a amizade anteriormente vivida desde que recebera uma outra carta. Carta que, na verdade, semeara na horta bem-aventurada da amizade o fungo bolorento da discórdia.      



Porto Alegre, 14 de setembro de 2000.


Ângela, minha querida.

Pensei muitas vezes antes de te escrever essas linhas e, quando no correio selei o envelope, lacrei e larguei na caixa coletora, me perguntei ainda se devia me intrometer em tua vida particular. Quero que recebas como as palavras de uma tia mais velha e experiente as observações que eu aqui vou fazer.
Sempre admirei o teu namoro com Elton, e acho que vocês só estão há tanto tempo juntos porque realmente existe afinidade entre os dois. Por outro lado, enxergo coisas que tu, ao que parece, não consegues ver e que estão atrapalhando e ameaçando a relação de vocês. Tua colega Alice anda trocando com ele olhares suspeitos, tão sutis que só uma mulher já calejada como eu pode pescar no ar e te fazer essa advertência. Já perdi um homem pra uma ex melhor amiga e sei o quanto dói à decepção dupla que se sofre nesses casos. Infelizmente, não tive naquela época alguém que me alertasse e abrisse os olhos para que eu cortasse o mal pela raiz. Quando fui perceber, os dois já estavam por demais envolvidos e cúmplices totais na arte da traição.
Peço-te que consideres melhor, a partir de agora, a tua ligação com ela e que procures ver até que ponto a intimidade entre vocês duas pode deixar vulnerável o teu noivado e os sonhos que tens. Acho que mereces ser uma pessoa realizada, contudo a tua ingenuidade, apesar de admirável em alguns instantes, pode te causar ainda algumas dores de cabeça, e dessas dores entendo eu bem. Posso te afirmar que nenhum homem, por mais que tente, consegue aguentar por tanto tempo as investidas de uma mulher atraente como ela. Há um “clima” no ar e, se ainda não “rolou” nada, do jeito que está, isso vai ser uma questão de tempo e oportunidade.
Abre o olho, meu anjo, só quero a tua felicidade.

Da tia que te ama de paixão,
                                                                    Verônica
            
Não esqueças que a tua prima tá de aniversário no final deste mês. Vem aqui comer uma carne de porco assada com a gente. Todos aqui sentem muitas saudades de ti. Precisamos botar as fofocas em dia.

                                                                                      Beijão! 


           
            Alice conseguiu um estágio numa clínica em Santos-SP, região centro-sul do país. Tão transtornada estava que não avisou a ninguém acerca da sua partida, nem mesmo à antiga e inseparável confidente. Três cartas de Ângela chegaram sem sucesso ao seu antigo endereço na Avenida Intendente Azevedo, 441, bairro Glória. A quarta delas, que acabou sendo a última, foi aberta pelo carteiro Claiton, que ficou curioso, ao colocar por debaixo da porta os envelopes anteriores. O funcionário da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos costumava entregar um grande volume de correspondências comerciais, propagandas e materiais impressos em geral. Ironicamente, as cartas propriamente ditas, de pessoas para pessoas, andavam em baixa na porcentagem de postagens. Significavam menos de 10% do volume total entregue a cada dia, e isso particularmente lhe frustrava. Quando reparou, carta após carta, que o destinatário não mais ocupava aquele endereço, confiscou a quarta e derradeira tentativa de reconciliação.
Naquele dia, ao terminar as suas entregas, chegou em casa e, sem partir para o seu rotineiro banho, trancafiou-se no quarto com o envelope branco ainda lacrado. Consumou ali a sua contravenção, violando uma mensagem que, ao final das contas, permaneceria de qualquer forma extraviada.





Porto Alegre, 22 de novembro de 2002.

Alice, minha amiga:

Agora sinto e experimento o esgotamento de quem escreve mais de duas cartas sem obter qualquer resposta, provando da solidão e da incerteza. Tenho, neste instante, reflexões pessimistas dentro de mim, pois minha consciência dói ainda. Tens toda a razão em querer me punir com essa tua indiferença, pois foi isso que um dia enxertei entre nós. Naquele tempo, eu queria defender a minha felicidade futura com o Elton, porém hoje só o que me resta ao ouvir esse nome são as mágoas e cicatrizes da traição. Verônica, minha “tia querida”, cinquentona fogosa, usou de tudo o que tinha e era capaz para protagonizar com ele uma paixão sem escrúpulos.
Quando os enxerguei aos beijos dentro do carro dela, a princípio me senti injustiçada. Porém, tão logo senti a tua falta para desabafar, aceitei com triste conformismo essa punição que o destino me impôs. Não pretendo mais te molestar com minhas dramáticas palavras que tanto pedem perdão.  Apenas quero aqui repetir pela quarta e última vez o quanto gostaria eu de poder voltar no tempo para novamente viver aquela alegre amizade de anos atrás. Recordo o quanto me sentia segura naquela época e como apoiávamos uma à outra em nossas aspirações e projetos de vida.
Os borrões no papel são das lágrimas que caem aqui, autênticas, enquanto penso no que fiz contigo. Afastei a melhor e única amiga que tive, tudo isso em nome de uma falsa ideia e ingênua fantasia. Meu casamento desmoronou antes de existir e eu, francamente, não pretendo mais depositar esperanças em algum romance para nutrir e completar os meus dias.
           Ninguém consegue me dar notícias tuas, e eu aqui me declaro          exausta para prosseguir nessa busca obstinada, via celular e via carta.  Fui pessoalmente visitá-la, mas nenhum sinal teu encontrei, por isso dou-me agora por vencida. Seguirei a minha sina, desejando-te toda a felicidade do mundo, pois mereces amizades bem mais consistentes do que esta, encenada por mim com tanta vacilação.












domingo, 1 de abril de 2012

Postagem de páscoa


                                                                      



          A postagem dessa semana não poderia falar de outra coisa que não estivesse relacionada ao nosso próximo feriado de páscoa, festa que têm as suas origens no calendário judaico. Nela se comemora a saída dos israelitas do Egito. No tempo de Jesus, todos os judeus deviam ir a Jerusalém para celebrarem-na. Matavam-se cordeiros ou cabritos no Templo e levavam-nos às casas para comê-los numa ceia especial, entre cada família. Durante essa ceia, além do cordeiro, do pão sem fermento, de ervas amargas e um molho de hissopo, tomava-se vinho e se recitavam alguns salmos e orações. Durante sete dias, á partir desse dia, comia-se pão sem fermento.
          Com base na definição acima, elaborada á partir de informações contidas na própria bíblia (2ª edição- Sociedade Bíblica do Brasil), percebemos o quanto estamos afastados das verdadeiras comemorações de páscoa. Afastados, usando de franqueza, bem mais do que imaginamos.
          O que você acha, por exemplo, de ferir até a morte um animalzinho tão mimoso como esse da postagem, sob o pretexto de “fazer a vontade divina”? Está escrito e o Senhor Jesus disse em pessoa: Misericórdia quero, e não holocaustos”. (Mt 12:7)  Qual, afinal, o significado ou símbolo que justifica a matança de cordeiros? Para entendermos, temos que, inevitavelmente, retroceder bastante, mais precisamente até os momentos que pontuaram a saída dos israelitas do Egito e da degradante escravidão. Lá encontraremos o acontecimento que motivou a comemoração que perdura, com distorções, até os dias de hoje no ocidente.
          Constam nas escrituras que, durante os dias de opressão no Egito, o Senhor manifestou-se a Moisés e seu irmão Arão, dizendo-lhes que executaria um severo juízo contra a nação dos faraós, exterminando-lhes todos os primogênitos (primeiros filhos), desde homens até animais. Ordenou que entre as famílias dos hebreus habitantes daquela terra, fossem executados sacrifícios de cordeiros e cabritos para que o sangue vertido, aparado em bacias, servisse de tinta. Com o líquido, foi-lhes determinado que marcassem sinais em suas portas para que a morte não lhes ferisse.

O sangue vos será por sinal nas casas em que estiverdes: quando eu vir o sangue, passarei por vós e não haverá entre vós praga destruidora quando eu ferir a terra do Egito. (Êx 12:13)

         O ritual, específico para aquele momento tenebroso da história hebraica, foi executado à risca e representou, durante séculos, um simbolismo relativo à vinda do Messias, o filho de Deus, que seria a confirmação de tudo o que os profetas do Antigo Testamento pregaram e previram. Quando veio em carne, o Cristo cumpriu e explicou diversos trechos das Escrituras, chamando a si próprio de Cordeiro de Deus e caminho para o Pai. A Sua vida, em si, trouxe uma nova aliança que abriu á cada indivíduo a possibilidade de redenção, mediante a prática de boas obras. Ele próprio, em nenhum instante dos evangelhos bíblicos, incentivou o sacrifício de criaturas inocentes para o perdão de pecados individuais. Antes, incentivou o arrependimento e a fé como instrumentos para a nova aliança, feita não somente com os judeus, mas com toda a humanidade.

Porque isto é o meu sangue, o sangue da nova aliança, derramado em favor de muitos para a remissão de pecados.(Mt 26:28)

          Consta no livro de João que ficou o Senhor furioso quando, ao entrar no Templo, deparou-se com  os que vendiam bois, ovelhas e pombas e também os cambistas assentados. (Jo 2:14) Da mesma forma, a bíblia não menciona o consumo de carne por Jesus em suas celebrações pascais. Os evangelhos fazem, tão somente, menções á pão, molho e fruto da videira (vinho). O Cordeiro de Deus veio para, justamente, abolir do coração dos homens os sacrifícios sangrentos.
          As cenas da Paixão, revividas, relançadas e amplificadas á cada ano por algumas instituições cristãs, são o retrato extremo da violência praticada contra inocentes. Não vejo grandes benefícios práticos em recordarmos, á exaustão, que o Senhor foi esbofeteado, cuspido, chicoteado e que verteu sangue das suas feridas, quando pregado na cruz. Alguns alimentam a interpretação duvidosa de que é meritório lembrar o sacrifício que ele fez por nós. Eu, em contrapartida, vejo nisso um lamentável culto ao sofrimento alheio. Será efetivamente necessário que as páscoas sejam dominadas por lembranças tão tristes, carregadas de covardia e injustiça?



                                


          O filme “A Paixão de Cristo”, de Mel Gibson, foi para mim o fim de um ciclo ou linhagem narrativa da vida do Senhor. As imagens dele mergulharam profundamente na estupidez das cenas que marcaram a crucificação. Depois de assisti-lo, não sinto mais nenhuma atração ou interesse em concentrar novamente a atenção naquilo que, ano após ano, tempera os nossos atuais “festejos de semana santa”.
          Faço votos, com sinceridade, que todos nós, nessa páscoa, possamos nos transportar a cenas como o sermão do monte, a multiplicação dos pães e á cura de um paralítico para nos recordarmos Dele. Assistir o seu covarde espancamento não nos levará, segundo penso, a lugar nenhum.
         Igualmente, como seria bom se os animais pudessem ser poupados da carnificina que envolve os churrascos e carnes-assadas dos domingos pascais...



       Uma boa e tranquila páscoa à todos!