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quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Revolução Réstia- Parte III





Fundou a banda CPI em parceria com os irmãos Beto e Bira mais Ângelo Breu, sacudindo as estruturas de São José do Norte, atacando sem piedade nomes da alta sociedade que tinham presença garantida nas páginas assinadas pelo colunista Binho Bordon no jornal de maior circulação local, a Gazeta Nortense .
            O manifesto á seguir foi escrito pelo próprio Gelsinho e editado em forma de panfletos, sendo distribuído pelo mesmo em frente ao Colégio Municipal de 2º Grau Astrogildo de Campos, situado na zona nobre do município:


                                                  A BURGUESIA FEDE 


             Os colunistas sociais através da função que exercem dão um triste exemplo do abismo que separa as classes sociais. Os festejos e coquetéis por eles abordados acontecem sempre longe dos olhares e estômagos dos trabalhadores comuns, que deveriam também possuírem á disposição páginas para apreciarem as fotos de suas festinhas nos barracos. Alguns jornais, em ocasiões “especiais”, comentem o crime de colocarem encartes com várias páginas exibindo os sorrisos francos e puros, dignos de filmes de terror, dos burgueses. Certamente são os interesses econômicos quem motivam estes desperdícios de papel impresso, privando os leitores de assuntos bem mais abrangentes que englobem questões pertinentes a todos.
            É bem verdade que um jornal necessita ser democrático para atingir seus objetivos       
propostos, abrindo espaço para manifestações que direta ou indiretamente possam influir no dia-dia, como é o caso da seção política, regional, mundial, esportiva, cultural, etc. Todas elas abordam matérias extraídas do cotidiano e em geral não distinguem preconceituosamente as classes existentes. O mesmo não se dá com as colunas sociais, que apesar de possuírem tal nome abrangem exclusivamente as celebrações dos que estão no topo da pirâmide.
            Ao cobrador de ônibus, ao carteiro e ao gari restam as tradicionais festinhas junto aos entes queridos, mas estas o jornal não se importará em cobrir, a não ser que sejam palco para tragédias.
            Que seja dado aos ricos aquilo que merecem, porém que se contentem eles com seus álbuns de família, onde apenas os verdadeiramente interessados possam cientificarem-se que:

* Maria Carmem e Roberto Silveira Telechea Filho estão chegando para
  as festividades de final de ano. São presenças confirmadas no 
   reveillon do Clube Brilhante.

* Ana Carla e José Augusto Bertoli seguem hoje para o Rio de Janeiro
    onde passam o natal e o reveillon.

* Foi em coquetel íntimo, somente para familiares e amigos mais
  próximos, que aconteceu a comemoração dos 40 anos de casamento
  de meus pais, Mozinha e Arlindo bordôn, no último domingo.

           
            E apreciar em fotos as seguintes obras-primas:

. A beleza de Natália Klauber e mãe, a estilista Ivanólia Klauber.
.A elegante do ano, Maria Luiza Vermuth e o filho Éderson Vermuth.
.Walkíria Costa Pasqual, Shena Olivier Branco, Aline Barcellos Junqueira e Irene Klinger Almeida, presenças jovens

e animadas na festa.

. Lili e Édson Estima da Fonseca


                     
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     A banda CPI costumava entrar em freqüente atrito com a alta sociedade devido as insinuações que fazia a respeito das aparências que ela tanto cultivava. Binho beirou ás raias da loucura quando escutou na rádio Alter Nativa Fm, no programa Essência Local, exibido às quartas-feiras das 20 ás 22hs e reprisado aos sábados das 16 ás 18hs, a psicodélica “Binho no meio dos gurizinho”, onde Gelsinho e Cia. Ltda ironizavam a freqüente aparição de certos playboizinhos nas páginas do colunista.
            Os burgueses nortenses formavam um ciclo fechado, uma panela onde só tinham chance os que rezassem pela mesma cartilha. A bajulação fazia parte constante das suas relações. Não raras vezes eram realizadas cerimônias festivas em que as entidades, grupos empresariais e Câmara de Vereadores concediam-se troféus, placas de bronze e outras homenagens do gênero, num mero joguete ou troca de favores em que a comunidade, iludida com a luz de néon, apenas aplaudia do lado de fora dos suntuosos salões. Títulos como: “Amigo da Marinha”, “Benemérito da Brigada”, “Cidadão Nortense” e “Empresário do Ano”, visavam única e exclusivamente à auto-afirmação dos que já estavam com as rédeas do poder econômico nas mãos.
            Na capa do 2º LP independente dos rapazes, figuravam fotografias tiradas em um coquetel, porém  os casais ficaram todos trocados, graças a um meticuloso processo de colagem onde simplesmente permutou-se as cabeças das fotografias originais. O escândalo foi tão grande que até mesmo pedidos de expulsão foram cogitados em nome da moral e dos bons costumes do município. As ameaças, no entanto, acabaram adquirindo um outro tom. Por debaixo dos panos, influentes empresários começaram a arquitetar uma trama homicida para livrarem-se daquelas moscas que haviam pousado em suas sopas. Um plano maquiavélico foi traçado envolvendo nomes conhecidos do submundo do crime: Cabeça, Rosauro Facada e Bongo foram contratados para “fazerem o serviço”, incluindo aí a desova dos corpos em um valetão próximo ao Engenho Roçado, onde coabitavam cobras, ratazanas famintas, sanguessugas, moscas varejeiras e algumas outras espécies de aspectos repugnantes. O esquema envolvia diretamente membros dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, todos contribuindo em suas esferas de atuações com o bom andamento do plano. Os matadores seriam beneficiados á curto prazo com a liberdade condicional, benefício pelo qual se concede a liberdade antecipada ao condenado, frente à existência de pressupostos e condicionada a determinadas exigências durante o restante da pena que deveria cumprir, competindo tal decisão ao juiz da execução, conforme o artigo 66; III,e da LEP (Lei de Execução Penal). Isso seria possível principalmente pela influência do renomado juiz de Execução Criminal Severo Caetano, um dos graúdos diretamente atingidos pela irreverência da banda CPI. Severo era um magistrado cheio de discrepâncias nocivas á função que exercia, abrigando em sua alma sentimentos de inveja, prepotência, cobiça e tantas outras imperfeições que pouca repercussão atingem quando impressas na personalidade de um fiscal de ônibus, padeiro ou outros profissionais que não chegam a lidarem com temas mais complexos no exercício das suas atividades.
                              
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            O plano acabou sendo frustrado pelo envolvimento de Cabeça com uma quadrilha de estelionatários que aplicava o esfarrapado golpe do bilhete premiado nas portas dos anciões, resultando daí o seu encarceramento á duas semanas da data combinada para a “queima de arquivo”. Durante o interrogatório na 37ª Delegacia de Polícia, após levar uns cascudos, acabou confessando até o que não foi mencionado pelos inspetores civis Coringa, Rajão, Soutto, Soares e Fonseca, todos eles famosos pela utilização de métodos nada acadêmicos para obterem depoimentos. Segundo informações de um preso que preferiu não identificar-se com medo das represálias, Nestor Vieira da Rosa, o Cabeça, abriu o bico após 15 minutos preso à máquina de fazer cócegas, um instrumento medieval de tortura utilizado ainda pelos mais conservadores. No depoimento teria ele informado os bairros, Cep’s, telefones e passatempos preferidos de seus colegas pilantras, bem como os nomes de suas amantes. Tentou inicialmente omitir o nome dos canalhas que bancariam financeiramente os assassinatos, porém um simples gesto de Rajão mostrando-lhe novamente a máquina de cócegas foi o suficiente para desobstruir a livre investigação da justiça.

- Não! Não! Pêra aí... Eu conto! Só não mi lévim pra ela di novo... É u siguinti, eu i u Rosauro tava tri mau na fita... aí apareceu dois doutor pedindo pra gênti apagá uns maluco... Aí nóis demo u toque pru Bongo, qui é mais sujo, já apagô cinco, e aceitêmo entrá nessa parada... Agora pur favor chefia, prométi qui não vai mais mi amarrá naquela porra ali. Prométi!  

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            Na versão planejada que seria dada à população, o assassinato dos rockeiros seria uma suposto acerto de contas relativo a uma provisão de maconha não paga. Antes de caguetar tudo o que sabia, Cabeça teve a sua existência bruscamente interrompida uma semana após ser detido. Na versão oficial divulgada na imprensa, teria ele cortado a própria língua num acesso de fúria contra suas aftas que tanto atrapalhavam a degustação dos alimentos ingeridos e deixado escapar o cabo da navalha pra dentro da garganta. No atestado de óbito constava como causa mortis:  Asfixia Respiratória.
                                    
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            Sofrendo um violento boicote das mais conceituadas casas de espetáculos e rádios locais a CPI encerrou suas atividades após lançar no mercado, através do selo independente “Excória”, o seu 2º e último CD. No álbum de estréia, intitulado “Me Deixa”, haviam eles apostado me composições totalmente intimistas que retratavam os conflitos existenciais dos jovens, deixando transparecer um egoísmo próprio do estilo de vida o qual viviam. As faixas “O que que você quer que eu faça?” “Careta Demais”, “Pense bem no meu lado”, “Isso não é comigo” e a consagrada “Quem sabe de mim sou eu”, sintetizavam tudo o que os “magrões” da época  queriam ouvir. Os 4 rapazes, no entanto, atingiram uma maior maturidade musical com o lançamento do 2º trabalho, “Coluna Social”,  um fracasso de vendas que posteriormente, com a banda já dissolvida, tornou-se um sucesso de crítica na capital do Estado.
            Sem condições financeiras de partirem para o centro do país divulgando a sua música, numa manhã fria do dia 8 de julho de 1994 Gelsinho, visivelmente emocionado, usou o microfone da Alter Nativa Fm para resumir com uma só frase, não tão original mas significativa, o desfecho daquela história desenhada com força de vontade, irreverência, coragem e bastante rock’n’roll:

- O sonho acabou... Snif, snif...


            Matérias sensacionalistas com fotos de Gelsinho ainda lacrimejante saíram estampadas nos principais jornais da “Terra da Cebola”, sendo que a Gazeta Nortense, diário diretamente alvejado pela irreverência do quarteto, manifestou toda a sua imparcialidade jornalística exibindo na manchete principal, em letras garrafais: O SONHO ACABOU! QUEM RI POR ÚLTIMO RI MELHOR.
            Entre os meios de comunicação apenas a rádio Alter Nativa FM prestou uma justa homenagem à banda, exibindo no domingo posterior a dissolução um especial com uma hora de duração relembrando os melhores momentos da sua carreira, incluindo aí gravações piratas feitas ao vivo em shows memoráveis como o do festival “Pode Crer”, realizado numa fazenda na localidade de Mostardas, no qual cerca de 24 jovens absolutamente contra o sistema colocaram as suas mochilas nas costas em busca da paz no campo para celebrarem alguns dias de música e amor. O festival acabou encerrando prematuramente, pois uma denúncia anônima interrompeu já no 2º dia o que seria uma semana inteira de rock. O s federais chegaram incrementando e não aliviaram ninguém, levando todos pra delegacia. Mesmo assim os registros sonoros do que acontecera até o momento do atraque conservaram-se intactos graças a iniciativa de Karina, a namorada de Beto, que escondeu os seu gravador atrás do coxo de um cabalo baio que pastava no local e assistia com um olhar de perplexidade a intervenção violenta dos tiras naquele bucólico cenário, distribuindo pontapés nas canelas daqueles cabeludos que apenas se divertiam sem agredirem a natureza mas que infringiam a lei porque, segundo a ocorrência registrada posteriormente:  

Portavam uma erva esverdeada, com características semelhantes a da maconha.



                         (Segue)




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