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domingo, 16 de dezembro de 2018

Cátaros- Parte II


O catarismo também baseou seus fundamentos no Sermão da Montanha, um longo discurso proferido por Jesus, no qual o próprio Cristo ensinou aos seus seguidores lições de conduta e de moral, ditando os princípios que normatizam e orientam a vida cristã, aquela que conduzirá o homem à sua verdadeira liberdade. O Sermão da Montanha é considerado pelos estudiosos da religião cristã um resumo dos ensinamentos de Jesus a respeito do Reino de Deus, de como o homem pode ter acesso a ele e qual será a sua transformação quando chegar lá.

De acordo com a doutrina cátara, Cristo não foi um mensageiro de Deus que veio para ensinar o caminho da salvação. Sua morte não significa a redenção, como prega a Igreja Romana, mas representa a vitória do mal que jamais poderia ser vencido pela crucificação de Cristo. O sofrimento e a morte de Cristo serviram para alimentar ainda mais as forças das trevas. Eles também não acreditavam na cruz nem na eucaristia. A salvação, segundo eles, só era alcançada por quem seguisse ao pé da letra os preceitos do Sermão da Montanha, pois a Igreja Católica Romana era, sim, um reduto de anticristos.
Vida pura e casta
Eles abdicavam de suas posses materiais e procuravam levar uma vida pura, afastando-se o quanto podiam do mundo material, o qual consideravam corrupto. Seus padres se vestiam com hábitos negros e rejeitavam os sacramentos, como o batismo, a eucaristia e o matrimônio. E não se incomodavam com o sexo fora do casamento. “A castidade devia ser priorizada, mas se não fosse possível mantê-la, melhor seria manter encontros casuais do que oficializar o mal por meio do casamento, um sacramento não aceito por eles”, escreve a historiadora Maria Nazareth de Barros, autora de Deus Reconhecerá os Seus: A História Secreta dos Cátaros.

Em consequência dos seus princípios de pureza e castidade, os cátaros também repudiavam a maternidade. Qualquer mãe, frente à impossibilidade de gerar entes espirituais e perfeitos, ao dar origem apenas a humanos imperfeitos, estaria produzindo ainda mais matéria impura e fonte do mal.
 Entretanto, apesar de o casamento e a procriação fossem tidos como obras maléficas eram também considerados, ao mesmo tempo, uma benção, pois evitava uma degeneração maior entre seus seguidores por dois motivos. Primeiro porque, segundo a lei bíblica, é melhor casar do que abrasar. Depois, como eles acreditavam na reencarnação, o nascimento era visto pela doutrina cátara como uma possibilidade de resgate pelas imperfeições geradas em outras vidas.






A salvação para o catarismo era a libertação da alma de seu corpo material impuro. Por isso, os cátaros viam com bons olhos o suicídio. De acordo com Nachman Falbel, professor titular de História Medieval da USP, além do suicídio por envenenamento ou salto em um precipício, ou ainda a pneumonia voluntariamente contraída, era comum procurar a morte pela fome.

Eram considerados bons homens depois de receberem o consolamentum, um ritual que simbolicamente representava sua morte para o mundo material e corrupto. Os que eram apenas simpatizantes da doutrina, mas que não tinham nenhum compromisso formal com o movimento, só recebiam o consolamentum nos momentos que antecediam sua morte.
 Os altos sacerdotes cátaros eram denominados perfeitos. Eles andavam sempre em dupla, pregando entre o povo o Amor universal e ajudando a população carente. Por todos esses ensinamentos e diferenças entre o pensamento cátaro e o catolicismo oficial, a Igreja Romana via cada vez mais a nova doutrina como uma perigosa heresia a ser debelada.


   Cruzada Albigense       

Mas não apenas por causa da doutrina herética que a Igreja Católica queria fazer desaparecer os cátaros da face da Terra. Por trás, existia também o interesse econômico da Igreja, na medida em que os dízimos de inúmeras paróquias, principalmente as do Languedoc, não chegavam mais a Roma.


No século 12, o papado tentou segurar o movimento, promovendo a reconversão de seus antigos fiéis, perdidos para o catarismo. Não resolveu. A Igreja, então, endureceu quando o papa Inocêncio III assumiu em 1198 e suspendeu os direitos eclesiásticos de diversos bispos do sul da França.

Em 1208, o representante da Igreja Pierre de Castelnau excomungou um nobre e, em represália, foi assassinado. O conde de Toulouse, Raimundo VI, foi o acusado de ser mandante do assassinato. O acontecimento acirrou os ânimos dos católicos que passaram a usar a violência para acabar com os seguidores da nova doutrina.

Inocêncio III tentou conter o abuso de seus fiéis escrevendo bulas e reduzindo o luxo do Vaticano, severamente criticado pelos antigos católicos convertidos ao catarismo. Para angariar aliados, apoiou a fundação de ordens mendicantes, como a dos franciscanos (de São Francisco de Assis) e os dominicanos (de São Domingos de Gusmão).





 Ainda por cima, Inocêncio III autorizou uma Cruzada, comanda pelo rei da França, Felipe II que, com outros nobres de Toulouse, iniciaram a carnificina que durou de 1209 a 1244. Na primeira fase da Cruzada, em julho de 1209, um exército de cerca de 30 mil homens, incluindo cavaleiros e infantes, desceu do norte da Europa para o Languedoc. No primeiro cerco em Béziers, que durou dois meses, os cruzados invadiram a cidade e aniquilaram quase toda a população, deixando para trás 20 mil mortos, entre eles muitas mulheres e crianças, sem se importarem se eram cátaros ou católicos. Quando um oficial perguntou ao representante do papa, o Abade Arnaldo Amauri, como ele conseguiria distinguir os hereges dos crentes verdadeiros, a resposta foi: “Matem-nos todos. Deus reconhecerá os seus.”


Na guerra que se seguiu, todo o território foi pilhado, as colheitas destruídas, as cidades e vilarejos arrasados. O extermínio ocorreu numa extensão tão vasta que alguns historiadores consideram esse caso como o primeiro genocídio da história da Europa moderna.

Diante da fúria dos cruzados, uma a uma, as cidades de Languedoc foram caindo em poder dos franceses do norte e da Igreja sob a alegação de serem focos de atuação de cátaros. Carcassonne, depois de duas semanas sitiada, foi destinada a Simão de Montfort, o novo chefe militar da guerra santa. Na verdade, nos anos seguintes, a cruzada se transformou em um alto negócio para o nobre. Mais do que aniquilar os cátaros, seu alvo eram as terras e as joias da nobreza do Languedoc, não importa se apoiassem ou não os hereges.
As duas últimas fases
Em 1224, com o apoio do papa Honório III (Inocêncio III faleceu em 1216), começou a segunda fase da Cruzada Albigense quando o então rei da França, Luís VIII, liderando os barões do norte francês, empreendeu uma nova investida que durou cerca de três anos com muitas conquistas até chegar a Avignon, onde terminou o cerco contra os hereges.

Apesar de terem o apoio de pequenos condados, os cátaros não conseguiram resistir ao genocídio das Cruzadas, mas elas não conseguiram erradicar o catarismo de forma definitiva. Foi a Inquisição, a instituição que realmente conseguiu exterminar definitivamente o catarismo. Quarta-feira, 16 de março de 1244, aos pés de um penhasco da região de Ariège (Midi-Pyrenees), nos Pirineus franceses, 225 homens e mulheres cátaros foram queimados em uma grande fogueira nos arredores da fortaleza de Montségur. Entrincheirados a 1.200 metros de altitude, os seguidores do catarismo foram capturados após dez meses de cerco, tinham-se recusado a abjurar a sua fé.

Adaptado do texto “Os bons e os puros”
Revista Leituras da História Ed. 57

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