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quinta-feira, 3 de julho de 2025

Na Universal

 


Às 15h08min, um homem impecavelmente vestido num terno azul marinho e sapatos mais brilhosos do que mármore negro, subiu os quatro degraus da escadinha lateral que conduzia ao altar. Ao fundo, dominando toda a extensão da parede, um enorme painel reproduzia uma paisagem paradisíaca onde um sol brilhante começava a despontar na linha do horizonte, e a relva rasteira, atapetada por flores multicoloridas, recebia os primeiros raios cintilantes do astro-rei.
Tudo, a terna acolhida das jovens, a entrada imponente do homem de terno e mais aquele gigantesco quadro divino, deixou-a deslumbrada. Os sapatos lustrosos do Pastor Castro conduziram-no até o púlpito de madeira em mogno escuro, onde uma Bíblia aberta na carta de Paulo aos Gálatas o aguardava. Com um sotaque inconfundivelmente carioca, começou a pregação conclamando todos os irmãos a colocarem os seus envelopes na arca. Impelidos pela aclamação apostólica do homem, de todos os lados, em silenciosa procissão surgiram homens, mulheres e crianças de todas as cores. Unia-os, como um cordão onde ensartam-se as conchas de um colar, um sincero desejo de contribuir com a Casa do Senhor. Suas humildes aparências espelhavam as poucas possibilidades financeiras. A tal arca, uma pequena reprodução em madeira, era uma réplica do barco construído por Noé para salvar os seus escolhidos do dilúvio. Tinha o tamanho aproximado de uma banheira de louça, e em seu convés eram depositadas as cédulas devidamente envelopadas. Nos alto-falantes, a canção “Hoje é Dia de Ofertar” marcava o ritmo e sensibilizava ainda mais os presentes, inclusive Tânia. Após uma pregação que durou pouco mais de dez minutos, o pastor chamou Camilo, tesoureiro da igreja, para explicar detalhes da reforma do templo. O trabalho começaria no mês seguinte e, segundo o guia daquele rebanho, dependeria da boa vontade de todos os irmãos. Com o auxílio de um rapaz magro de olhos cavados e alegres, o homem de terno desapareceu de cena levando consigo a bendita arca.
Camilo, depois de explanar sobre o cronograma da obra, entregou vários carnês de pagamentos aos fiéis, que se acotovelavam para disputar quem chegava primeiro até ele.

- Boa tarde, Seu Camilo!
- Boa tarde irmão...
- Osni... Osni Trassante da Cunha.
- Ah, claro... Dexeuvê... Tá aqui... Osni Trassante da Cunha... Ó o teu
   carnezinho.
- Ô Glória! Mi dá aqui que eu já vô hoje mesmo pagá.
- Se o irmão depois quisé aumentá o valor da parcela não tem problema,
   viu? Mi procura qui a genti imprimi um outro carnê...

Encerrada a distribuição, com todos os carnezinhos devidamente entregues, iniciaram-se os hinos de louvor e preces, que duraram quase vinte minutos. Quando o pastor, o seu ajudante e a arca já esvaziada reapareceram, o clima estava formado para a tão esperada “Sessão do Descarrego”. Antes de iniciar a expulsão dos encostos, Castro, revelando profunda tolerância e clemência para com os irmãos que chegaram atrasados, permitiu-lhes que abastecessem o convés da arca com mais alguns envelopes.
Choro, ranger de dentes, gargalhadas sarcásticas e, principalmente, os gritos do pastor ecoaram em seguida pelas paredes daquele templo, causando espanto, medo e admiração. Alguns encostos pareciam bem mais resistentes do que outros, e faziam Castro, o emissário da fé, perder o equilíbrio. Ele tirou então o paletó, reuniu forças e acabou, aparentemente, triunfando sobre todos eles. Empurrou-os de volta ao inferno, onde o próprio tinhoso aguardava-os com o garfo em mãos, pronto para castigá-los por seus fracassos. Tânia, maravilhada, lançava um olhar de idolatria para o carioca, que, aproveitando-se do momento oportunamente favorável, bradou com os braços abertos:

- Se você quer livrar a tua família... Se você quer livrar a tua casa... Se você quer livrar o teu lar das garras de Satanás, o diabo, se abre aqui, hoje, agora, a chance de vivê uma outra vida! Venha a mim você que não sabe mais o que fazê, e eu te liberto de toda essa escravidão e de todos os encosto!


(Trecho do conto "São Paulo", do meu 2º livro "O Grande Pajé" de 2011- Edição Independente)

sábado, 28 de junho de 2025

Amazônia e Festival de Parintins

 


O Festival Folclórico de Parintins é certamente uma das principais manifestações culturais do Brasil. É também uma das principais expressões da alma amazônica. Parintins deve ser enaltecida não apenas pela sua exuberância e majestade como manifestação cultural, mas também é essencial considerar a sua contribuição para o futuro da Amazônia viva e a prosperidade do Brasil. 

Cantar sobre a Amazônia durante o festival, é uma forma de abrir os olhos de todos para situações graves que estão acontecendo e ainda podem vir a acontecer, e que esse canto de clamor da terra possa ser ouvido por todos.   

Os dois bois possuem uma histórica e rica rivalidade nas disputas dos festivais. Ambos, entretanto, são irmãos na defesa da floresta e dos povos indígenas.  

Essas toadas ecoam além dos festivais de Parintins: são tocadas nas rádios, exibidas em programas de televisão e compartilhadas nas mídias sociais. As toadas entram pelos ouvidos e olhares para se entranhar na essência das nossas almas. 

A defesa da floresta em pé contra os interesses dos grileiros, madeireiros e garimpeiros ilegais é um dos maiores desafios para o futuro do Brasil. Disso depende a segurança nacional, uma vez que precisamos da água da Amazônia para abastecer com chuvas a produção de alimentos, geração de energia hidrelétrica e o fornecimento de água para o consumo das famílias, empresas e instituições do Brasil. Além disso, no contexto da crise climática, a proteção da floresta e o respeito aos povos indígenas é o que nos insere no concerto das nações – positiva ou negativamente.  

Ao contrário do que muitos pensam, proteger a floresta contra os agentes da destruição não é uma agenda que outros países impõem ao Brasil. É uma agenda da alma amazônica, maravilhosamente expressa no Festival Folclórico de Parintins, um agente dessa batalha pela floresta em pé.  

Apesar de discreta, a contribuição do Festival é extremamente significativa e deve ser objeto de enaltecimento e gratidão por todos que sonham e lutam por um futuro com a Amazônia viva e um Brasil mais justo e próspero. 



                À quem interessar possa, se tiver curiosidade ou quiser curtir, aqui vai o link de transmissão da edição desse ano, que tá acontecendo nesse final de semana.


https://www.youtube.com/live/xTq8eZagWH0?si=Ev-4-ElVmARHcKqj


Fonte:  fas-amazonia.org

quinta-feira, 19 de junho de 2025

Livres pra matar

 


¹ O Brasil se declarou oficialmente livre de gripe aviária nesta quarta-feira (18), após o fim dos 28 dias de vazio sanitário desde a confirmação de um caso da doença em uma granja comercial em Montenegro (RS). A informação foi confirmada pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).

Durante o período de vazio sanitário, nenhum novo caso foi registrado em granjas comerciais brasileiras, o que, segundo os protocolos da Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA), permite que o país retome o status de livre da doença. Foram registrados apenas casos em aves silvestres e de subsistência no período.

                                                    🎉


      Ainda em clima de euforia parabenizo, em primeira mão, autoridades políticas e sanitaristas  pela conquista. Nossas aves, finalmente, livres da gripe e aptas pro abate.

    A grande ironia dessa história, porém, é o fato de que a saúde e longevidade das galinhas é o que realmente menos importa. Após viverem sob condições degradantes, em confinamento, por toda uma vida, são, afinal, abatidas. Pescoço torcido, choque elétrico, sangria, os métodos variam.

      Feito o devido contraponto, sem me alongar em discursos ou exibição de imagens chocantes, de sofrimento animal, em coerência com meu estilo de vida, fica a minha reflexão em nome de quem não tem voz ativa pra tal.

 





1 cnnbrasil.com.br

segunda-feira, 9 de junho de 2025

O abraço do meu silêncio

 


          Anabela pousou lentamente as mãos sobre as costas nuas de seu amante: sente que meu silêncio te alcança. Que ele te abraça. Que ele te enlaça e te traz bonança. Depois, bem depois, quando a união de nossas almas for perene, pega meu corpo e quebra o meu silêncio com toda a força das tuas palavras de amor. Eu aceito.



Fonte: "O silêncio alheio" de Jacqueline Aisenman

domingo, 1 de junho de 2025

Êxodos segundo Sebastião Salgado

 




Êxodos, de Sebastião Salgado, representa uma longa viagem em busca dos povos em trânsito



Intolerâncias e solidariedades apontam o sofrimento humano em tempos de globalização. 





As fotografias permitem resgatar a dignidade de homens, mulheres e crianças que se vêem obrigadas a deixar sua terra natal em busca de novas possibilidades de sobrevivência.




O olhar generoso de Salgado registrou situações de deslocados das guerras, dos perseguidos políticos dos sem terras e sem teto em todo o planeta.



América, África, Europa, Ásia e Oceania estão presentes na grande exposição fruto de seis anos de caminhada.





À quem já viu a presente mostra, desnecessário se faz encerrar dizendo que dezenas de fotos ficaram de fora. Concluo pois, minha humilde homenagem póstuma, sugerindo aos que ainda não viram, assim que a oportunidade surgir-lhes, não percam. Sou totalmente leigo em matéria de fotografia, mas a experiência de assisti-la foi pra mim e a maioria, bastante impactante.

                 Descanse em paz, Salgado🙏


Fonte: diversitas.fflc.usp.br






domingo, 25 de maio de 2025

O homem que plantou uma floresta

 


            Arrependo-me profundamente de não ter feito essa homenagem ao fotógrafo  Sebastião Salgado com ele ainda vivo, porém, como dado atenuante, confesso que só  há dois dias atrás, por ocasião do seu falecimento, fiquei sabendo do, talvez, maior legado seu para as futuras gerações. O homem, em companhia da esposa, ao final da década de noventa,  fundou a ONG Instituto Terra, pra recuperar a fazenda onde nasceu.


 ¹Ao visitar suas famílias, o casal não estava preparado para o que encontraria na Fazenda Bulcão. A propriedade onde Salgado cresceu em Aimorés, no interior de Minas Gerais, havia sido completamente degradada pelos pastos: o solo estava árido e exposto.

Onde antes havia rios, sombra e animais, só se via secura. A eventual chuva não trazia alívio, já que provocava uma enxurrada agressiva que arrastava a terra e fazia buracos. Depois de anos vendo e retratando guerras e sofrimento humano, o casal chorou diante da enxurrada na terra natal.

Wanick, comovida, sugeriu ao marido: “vamos plantar uma floresta aqui?”. A ideia mirabolante, que ela considera a melhor de sua vida, se provou cada vez mais complexa.

 “Claro que naquela hora, na minha cabeça, a gente sairia de férias para plantar um bando de árvores. De repente, não era nada disso” contou Wanick em uma entrevista de 2015. “Plantar uma Mata Atlântica é muito difícil, depende de muito tempo, muitas variáveis, muitos fundos e, sobretudo, muita gente para ajudar."

Em um primeiro cálculo, um engenheiro florestal apontou que seriam necessárias 2,5 milhões de árvores para encher os 700 hectares da Fazenda Bulcão. O casal não desistiu: a plantação começou com dez mil mudas em novembro de 1999, data que marca o nascimento do Instituto Terra. (...)



          Em meu próximo post, como não poderia deixar de ser, homenagearei o seu trabalho como fotógrafo, através de uma mostra que me impressionou bastante à época, algumas décadas atrás, quando á assisti, ainda em Rio Grande, minha terra natal. 

   Deixo-vos com o trecho de uma entrevista sua, em 2015 e encerro aqui a primeira parte do meu agradecimento à ele, em nome da consciência ambientalista em nosso planeta.


“Plantar uma árvore é como ter um filho. Tem que tomar conta para ele sobreviver até ser um adulto. Tem que plantar, proteger de formiga, do fogo, das ervas daninhas, do capim. Tem que tomar conta até os cinco anos de idade, aí sim ela é um ser livre." 



 


1- superabril.com.br



sexta-feira, 16 de maio de 2025

domingo, 4 de maio de 2025

Sentimental

      


    À exemplo de outras vezes, torno á utilizar esse espaço pra dar visibilidade a escrita produzida dentro de prisões gaúchas, por pessoas marginalizadas e sem voz perante a sociedade.

   Eu sei, muitos dirão, eles tem que pagar por seus crimes e ponto. Mesmo assim, continuo achando válido humanizar nossas visões, lendo não somente pontos finais, mas também parágrafos, estrofes, vírgulas, acentos, tudo, enfim,  que é escrito de dentro pra fora das grades. 

   "Vozes de um tempo- Vol.3" foi uma coletânea organizada por profissionais diretamente ligadas ao tratamento penal de pessoas privadas de liberdade sendo, dessa forma, uma fonte autorizada sobre o assunto, sendo ela, novamente, a minha fonte de consulta.

    

                 Solidão, outra vez me procuras.

                 E eu aqui nesta cidade bandida.

                 Traga os sonhos meus.

            Desesperado, estou de mal com a vida. 

                  Aborrecido, coração amargurado,

            Não me deixes assim tão só.     


            Alegrias vêm e vão.

                  Fico alegre, quando recebo minha mulher e meus filhos.

            E uma grande tristeza fica ao irem embora,

            Restando em mim uma grande solidão,

            Um vazio em meu ser, por não poder acompanhá-los,

            ao voltarem para casa. 


            Mesmo segregado de minha liberdade,

            A vida segue, os dias passam.

            Existe em mim um compromisso, um dever,

            de buscar a amenizar os meus dias por aqui.


            Encontro nos estudos uma ocupação,

            Onde a mente se distrai numa leitura, num livro,

            Numa aula assistida.

            Por outro lado, resta um horário ao sol,

            Uma mente vazia...

            Então, é um tempo em vão.  


                                                                               N.L.

   

domingo, 27 de abril de 2025

O Papa é pop

              

             


               Foi o Papa das crianças

          Foi o Pontífice conciliador

          Foi o Padre dos excluídos

          Foi o autêntico sacerdote de Jesus.


     É por isso que,  sem sombra de dúvida,  numa citação aos "Engenheiros do Hawaii" *, O Papa é pop.


       Fica aqui o meu reconhecimento e gratidão à ele que humanizou, como nenhum antecessor seu, a figura do Sumo Pontífice católico.

      Descanse em paz no reino da luz.


                                              🙏


* Banda de rock nacional que há algumas décadas atrás emplacou nas paradas de rádio a canção "O Papa é Pop", do seu disco de mesmo nome, lançado em 1990.

  


            

sexta-feira, 18 de abril de 2025

Detalhes da Santa Ceia








Enquanto comiam, tomou Jesus um pão, e abençoando-o, o partiu, e lhes deu dizendo: Tomai, isto é o meu corpo. A seguir, tomou Jesus um cálice e, tendo dado graças, o deu aos discípulos, e todos beberam dele. Então lhes disse: Isto é o meu sangue, o sangue da [nova] aliança, derramado em favor de muitos. Em verdade vos digo que jamais beberei do fruto da videira, até aquele dia  em que o hei de beber, novo, no reino de Deus. Tendo cantado um hino, saíram para o monte das Oliveiras.

                                                                                 Mc 14:22-26

           O Evangelho segundo Marcos, na visão de estudiosos, especialistas em escrita antiga, foi composto aproximadamente no ano 64 d.C. É assim que ele narra esses instantes finais de Jesus, ceando pela última vez com os discípulos.
          O Evangelho de Mateus, escrito aproximadamente em 70 d.C, mantém praticamente a mesma narrativa para registrar o momento em que Ele ressalta a importância do Seu sacrifício, prestes á se concretizar.
          Somente uns dez anos após, por volta de 80 d.C, época atribuída aos escritos de Lucas, foi acrescentada uma frase que, até os dias de hoje, inspira multidões de cristãos à celebrarem o sofrimento e martírio do Salvador. Esse evangelista sustenta que devemos relembrar os Seus momentos de dor, enquanto os outros dois, Marcos e Mateus, apenas captam Jesus, em tom profético, preparando os discípulos Seus para acontecimentos próximos.

          E, tomando um pão, tendo dado graças, o partiu e Lhes deu, dizendo: Isto é o meu corpo oferecido por vós; fazei isto em memória de mim. Semelhantemente, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este é o cálice da nova aliança no meu sangue derramado em favor de vós.

                                                                          Lc 22: 19-23
         

         O Evangelho Segundo João, será aqui apenas mencionado e não comentado, pois sequer faz alusão à Santa Ceia, tendo aparecido ainda mais tarde,  pelos idos de 90 d.C.
          Alguns dentre vós, à essas alturas, devem já querer apedrejar-me, lançar-me na fogueira dos hereges. Admito, a pergunta faz-se inevitável; Que autoridade ou experiência tenho eu sobre o assunto?
Como justificativa ou Atestado de Cristandade, revelo- lhes que, nos anos que marcaram a minha passagem da infância pra adolescência, fui coroinha na Igreja São Vicente de Paulo,  sob a tutela de Padre Francisco, em Rio Grande.
          Assim sendo, apresentadas minhas legítimas credenciais, livre me sinto para acrescentar que tenho desconfianças em relação há alguns livros incluídos na Bíblia e acho que essa história de várias pessoas contarem a mesma novela, pode trazer desvios do roteiro original.
           Outras religiões e livros sagrados existem e em todos esses a história da vida dos grandes mestres ou emissários divinos é contada uma vez só, com riqueza de detalhes, sem a necessidade de repetir o mesmo enredo novamente. É assim com Krishna, no Srimad Bhagavatan e Rama, no Ramayana, ambos textos indianos, partes da escritura hindu Vedas. Maomé, outro grande líder, tem a sua trajetória narrada por um único escritor, uma só vez, no Alcorão dos muçulmanos. Até onde sei, Sidarta Gautama, o primeiro Buda, também não possui mais de uma versão da sua biografia num mesmo texto sagrado budista. Conta-se o seu nascimento, infância, ministério e morte, com início meio e fim,  sem replays.
          Ao mesmo tempo que me questiono, não posso apresentar aqui, lamento,  conclusão definitiva alguma. Acaso, contar quatro vezes a história do Senhor Jesus Cristo, foi melhor ou pior pro cristianismo e  pro Ocidente?
          Segundo penso, é claro, os textos mais antigos são os que têm mais credibilidade, pois inspiram-se em informações recentes e  mais próximas da realidade.
          O que fiz aqui, admito, foi pouco. Comparei evangelhos e mostrei, apenas superficialmente, que eles têm divergências entre si. Aonde quero chegar? Foi apenas um desabafo de Páscoa, fico hoje por aqui. 

De 💓 uma Feliz Páscoa.

Cesar


   Obs: Postagem de 2019, republicada, pois traduz fielmente uma posição minha sobre o cristianismo.                                                                                                                                                                                                                                        






domingo, 13 de abril de 2025

O Príncipe Anacoreta



          Depois que Rama, auxiliado por sua ilustre videana, doou as riquezas aos bramas, tomou armas e instrumentos, a saber, a enxada e o cesto, saiu do palácio em companhia de Lacsmana e foi ver seu augusto pai. Acompanharam-no a esposa e o irmão.

          Para comtemplar-lhe o andar e recrear-se, para vê-lo, as mulheres, os aldeães e os homens da cidade aglomeravam-se, subiam ao teto das casas e aos terraços dos palácios. Na estrada real, tomada pelo povo, não havia espaço vazio. Tal era o seu afeto por Rama que acorria para despedir-se dele em esplendor infinito.

          Antes da vinda de Rama, com a esposa e Lacsmana, o poderoso monarca, cheio de emoção e dor, passava o tempo a gemer.

          Então Sumantra, vivamente angustiado, juntando as mãos, apresentou-se diante do senhor da terra e disse-lhe:

          -- Rama, que acaba de distribuir as riquezas entre os bramas, depois de ter atendido a subsistência de seus criados, acompanhado de Lacsmana, seu irmão, e de Sita, sua esposa, veio ver teus augustos pés. Recebe-o, se te apraz.

          O rei, de alma pura como o ar, suspirou profundamente e em sua viva dor respondeu:

          -- Sumantra, traze para cá todas as minhas esposas. Quero receber, rodeado delas, ao digno sangue de Ragu!

          Aquelas damas, cujo número ascendia à metade de setecentas, encantadoras todas e ricamente ataviadas, vieram visitar o esposo, que se encontrava em companhia de Caqueí.

          O monarca, vendo que se achavam todas, sem exceção de nenhuma, disse ao nobre porteiro:

          -- Sumantra, traze logo meu filho à minha presença!

          Quando viu Rama adiantar-se com as mãos cruzadas, o rei desceu do trono onde estava sentado, em meio às mulheres, e exclamou aflito:

          -- Vem Rama, filho meu! -- e quis abraçá-lo.

          Todavia, em virtude da fortíssima emoção, caiu em terra antes de poder fazê-lo. As mulheres, com seus gritos, alvoraçaram o palácio do rei. Ao cabo de um instante, porém, voltou a si e Rama, cruzando as mãos, invadido por um mar de tristeza, assim falou:

          -- Grande rei, venho dizer-lhe adeus, príncipe augusto, pois és nosso senhor! Lança-me um olhar de benevolência, que parto neste momento para moras nas selvas. Digna-te também, senhor da terra, dar as despedidas a Lacsmana e á bela videana, minha esposa, que apesar de meus rogos não desistiram de seguir-me. Despede-te, pois, dos três.

  

Trecho do capítulo 6 de "Ramayana" do poeta Valmiki.



        


domingo, 6 de abril de 2025

Valmiki - Introdução ao Ramayana

 



        Antes   de transcrever um trecho do épico indiano "Ramayana", que descreve as façanhas do Senhor Rama, encarnação divina que representou na terra o papel de um rei perfeito, faço antes um post  sobre o autor da obra, o poeta Valmiki. O seu estilo de narrar cativou-me desde o início, com a sua riqueza de detalhes ao descrever emoções dos personagens, embates e paisagens paradisíacas. Acredito que grande parte dos leitores, mesmo sem motivações religiosas acaba fascinando-se pela aventura do herói e avatar Rama. 

          A história a seguir ilustra como o autor, outrora um abominável criminoso, tornou-se um grande devoto ao entrar em contato com um mestre espiritual auto realizado, dotado de qualidades divinas. Embora nascido em família de sacerdotes, Valmiki convivia com homens de má índole. Em consequência disso, virou um criminoso violento, tendo, inclusive, assassinado muitos sábios. Certa vez, ele se aproximou do elevado sábio Narada Muni com a intenção de matá-lo. Bastou Narada erguer a mão e dizer: "Pare!" para Valmiki, perplexo, ver- se forçado a congelar seus movimentos. Diante daquilo, Valmiki sentiu seu coração invadido por uma atitude natural de submissão a Narada. O sábio, então, aproveitou para revelar-lhe as reações que recairiam sobre ele como resultado de seus pecados abomináveis. Refugiando-se em Narada, Valmiki perguntou-lhe o que deveria fazer para eximir-se daquelas reações.

            Narada disse: "Sente-se aqui e cante: Rama Rama Rama Rama Rama. Faça isso, e  mais nada. Valmiki tentou acatar a ordem de Narada, porém, em virtude do frutificar das reações às suas tantas ações pecaminosas, ele não conseguiu cantar aquele nome divino. Narada sagazmente lhe disse: "Se você não é capaz de cantar 'Rama", cante 'mara', então".

              O termo mara, que significa morte em sânscrito, é formado pelas mesmas sílabas que Rama, só que invertidas. A repetição de mara mara acaba soando como Rama Rama. Após orientar Valmiki daquele modo Narada foi-se embora.  

            Para Valmiki, foi fácil cantar mara mara, coisa que ele continuou fazendo por milhares de anos enquanto aguardava a volta de seu guru. Ele passou todo aquele tempo sem comer, defecar ou urinar. Pouco a pouco as formigas (da espécie valmika) consumiram sua carne, sangue e demais substâncias físicas, até que seu corpo foi envolvido por um formigueiro. Por fim, ele desapareceu, aponto de agora parecer feito de terra. Eventualmente, Brahma, líder dos semideuses e guru original da sucessão discipular proveniente do Deus Krishna, chegou ali . Ao ver o estado em que se encontrava o corpo de Valmiki, o Senhor Brahma borrifou- lhe água sagrada enquanto proferia mantras. Logo, o corpo de Valmiki retomou o vigor de um corpo em plena juventude. Brahma disse-lhe "Você acaba de aperfeiçoar o cantar de seu mantra, logo, já tem percepção direta do Senhor Supremo."

            Posteriormente, no transcurso de sua meditação, o agora grande sábio Valmiki compôs o famoso Ramayana, a biografia autorizada do Senhor Rama, cujo nome ele vivia cantando. Escrito há centenas de milhares de anos, o Ramayana é considerado um dos Vedas (escrituras sagradas) originais e o épico espiritual mais famoso na Ìndia. Valmiki o redigiu antes mesmo de o Senhor Rama surgir nesse mundo.


Fonte: "Alma, identidade espiritual e outros segredos", de Shri Shrimad      

            Bhaktivedanta Narayana Goswami Maharaja- Editora Braja

domingo, 30 de março de 2025

A luta

                                  


                       Sozinho mas lutando

                       Lutando com vontade de vencer

                       Pra sentir o gosto

                       Pra sentir o desgosto

                       Ouvindo uma voz que me diz,

                       lá do topo do poço:

                       "Ames e serás amado"


                        As coisas tomam forma

                        e eu nem entendo,

                        aparentando satisfação,

                        só pra não saber a tua opinião

                        Volto pra casa sem novidades

                        Durmo pensando em acordar

                        Achando bom ser diferente


                        Aquilo que não tinha importância,

                        agora ocupa o seu lugar,

                        contradizendo tudo o que eu antes sonhara:

                        Ter um corpo transparente

                        e não guardar mais segredos.


          Poesia resgatada do meu próprio baú. Tá inserida em " No limite das palavras", livro em estilo manifesto pós adolescente que marcou meu debut no mundo das letras. Talvez algum dia, quando o tempo e a oportunidade permitirem, eu retrabalhe integralmente o seu texto e traga-o à luz do dia, quem sabe. 

sexta-feira, 14 de março de 2025

Selassie na Liga das Nações

 


    Não quero que vocês me interpretem como um cético irrecuperável, mas a tão almejada paz mundial, pelo menos por ora, configura-se como utopia distante. Os atuais líderes e protagonistas mundiais, como enxadristas,  mexem as peças de seus   tabuleiros em direção ao confronto direto, priorizando interesses próprios e não o mútuo entendimento.  O discurso que abaixo reproduzo, proferido por um governante de uma nação africana, à época, assediada pela ambição imperialista dominante, na década de trinta, continua bastante atual. Refletir sobre ele é entender o que separa-nos ainda da integração social e harmonia entre os povos.


 

Discurso do Imperador Etíope Haile Selassie na Liga Das Nações em 1936:

Texto esse  que serviu de inspiração para a música “War” que se tornou um dos maiores clássicos de Bob Marley.
"Enquanto a filosofia que declara uma raça superior e outra inferior não for finalmente e permanentemente desacreditada e abandonada; enquanto não deixarem de existir cidadãos de primeira e segunda categoria de qualquer nação; enquanto a cor da pele de uma pessoa não for mais importante que a cor dos seus olhos; enquanto não forem garantidos a todos por igual os direitos humanos básicos, sem olhar a raças, até esse dia, os sonhos de paz duradoura, cidadania mundial e governo de uma moral internacional irão continuar a ser uma ilusão fugaz, a ser perseguida mas nunca alcançada. E igualmente, enquanto os regimes infelizes e ignóbeis que suprimem os nossos irmãos, em condições subumanas, em Angola, Moçambique e na África do Sul não forem superados e destruídos, enquanto o fanatismo, os preconceitos, a malícia e os interesses desumanos não forem substituídos pela compreensão, tolerância e boa-vontade, enquanto todos os Africanos não se levantarem e falarem como seres livres, iguais aos olhos de todos os homens como são no Céu, até esse dia, o continente Africano não conhecerá a Paz. Nós, Africanos, iremos lutar, se necessário, e sabemos que iremos vencer, pois somos confiantes na vitória do bem sobre o mal."


Fonte: rastafaribrasil.blogspot