quinta-feira, 3 de julho de 2025

Na Universal

 


Às 15h08min, um homem impecavelmente vestido num terno azul marinho e sapatos mais brilhosos do que mármore negro, subiu os quatro degraus da escadinha lateral que conduzia ao altar. Ao fundo, dominando toda a extensão da parede, um enorme painel reproduzia uma paisagem paradisíaca onde um sol brilhante começava a despontar na linha do horizonte, e a relva rasteira, atapetada por flores multicoloridas, recebia os primeiros raios cintilantes do astro-rei.
Tudo, a terna acolhida das jovens, a entrada imponente do homem de terno e mais aquele gigantesco quadro divino, deixou-a deslumbrada. Os sapatos lustrosos do Pastor Castro conduziram-no até o púlpito de madeira em mogno escuro, onde uma Bíblia aberta na carta de Paulo aos Gálatas o aguardava. Com um sotaque inconfundivelmente carioca, começou a pregação conclamando todos os irmãos a colocarem os seus envelopes na arca. Impelidos pela aclamação apostólica do homem, de todos os lados, em silenciosa procissão surgiram homens, mulheres e crianças de todas as cores. Unia-os, como um cordão onde ensartam-se as conchas de um colar, um sincero desejo de contribuir com a Casa do Senhor. Suas humildes aparências espelhavam as poucas possibilidades financeiras. A tal arca, uma pequena reprodução em madeira, era uma réplica do barco construído por Noé para salvar os seus escolhidos do dilúvio. Tinha o tamanho aproximado de uma banheira de louça, e em seu convés eram depositadas as cédulas devidamente envelopadas. Nos alto-falantes, a canção “Hoje é Dia de Ofertar” marcava o ritmo e sensibilizava ainda mais os presentes, inclusive Tânia. Após uma pregação que durou pouco mais de dez minutos, o pastor chamou Camilo, tesoureiro da igreja, para explicar detalhes da reforma do templo. O trabalho começaria no mês seguinte e, segundo o guia daquele rebanho, dependeria da boa vontade de todos os irmãos. Com o auxílio de um rapaz magro de olhos cavados e alegres, o homem de terno desapareceu de cena levando consigo a bendita arca.
Camilo, depois de explanar sobre o cronograma da obra, entregou vários carnês de pagamentos aos fiéis, que se acotovelavam para disputar quem chegava primeiro até ele.

- Boa tarde, Seu Camilo!
- Boa tarde irmão...
- Osni... Osni Trassante da Cunha.
- Ah, claro... Dexeuvê... Tá aqui... Osni Trassante da Cunha... Ó o teu
   carnezinho.
- Ô Glória! Mi dá aqui que eu já vô hoje mesmo pagá.
- Se o irmão depois quisé aumentá o valor da parcela não tem problema,
   viu? Mi procura qui a genti imprimi um outro carnê...

Encerrada a distribuição, com todos os carnezinhos devidamente entregues, iniciaram-se os hinos de louvor e preces, que duraram quase vinte minutos. Quando o pastor, o seu ajudante e a arca já esvaziada reapareceram, o clima estava formado para a tão esperada “Sessão do Descarrego”. Antes de iniciar a expulsão dos encostos, Castro, revelando profunda tolerância e clemência para com os irmãos que chegaram atrasados, permitiu-lhes que abastecessem o convés da arca com mais alguns envelopes.
Choro, ranger de dentes, gargalhadas sarcásticas e, principalmente, os gritos do pastor ecoaram em seguida pelas paredes daquele templo, causando espanto, medo e admiração. Alguns encostos pareciam bem mais resistentes do que outros, e faziam Castro, o emissário da fé, perder o equilíbrio. Ele tirou então o paletó, reuniu forças e acabou, aparentemente, triunfando sobre todos eles. Empurrou-os de volta ao inferno, onde o próprio tinhoso aguardava-os com o garfo em mãos, pronto para castigá-los por seus fracassos. Tânia, maravilhada, lançava um olhar de idolatria para o carioca, que, aproveitando-se do momento oportunamente favorável, bradou com os braços abertos:

- Se você quer livrar a tua família... Se você quer livrar a tua casa... Se você quer livrar o teu lar das garras de Satanás, o diabo, se abre aqui, hoje, agora, a chance de vivê uma outra vida! Venha a mim você que não sabe mais o que fazê, e eu te liberto de toda essa escravidão e de todos os encosto!


(Trecho do conto "São Paulo", do meu 2º livro "O Grande Pajé" de 2011- Edição Independente)

sábado, 28 de junho de 2025

Amazônia e Festival de Parintins

 


O Festival Folclórico de Parintins é certamente uma das principais manifestações culturais do Brasil. É também uma das principais expressões da alma amazônica. Parintins deve ser enaltecida não apenas pela sua exuberância e majestade como manifestação cultural, mas também é essencial considerar a sua contribuição para o futuro da Amazônia viva e a prosperidade do Brasil. 

Cantar sobre a Amazônia durante o festival, é uma forma de abrir os olhos de todos para situações graves que estão acontecendo e ainda podem vir a acontecer, e que esse canto de clamor da terra possa ser ouvido por todos.   

Os dois bois possuem uma histórica e rica rivalidade nas disputas dos festivais. Ambos, entretanto, são irmãos na defesa da floresta e dos povos indígenas.  

Essas toadas ecoam além dos festivais de Parintins: são tocadas nas rádios, exibidas em programas de televisão e compartilhadas nas mídias sociais. As toadas entram pelos ouvidos e olhares para se entranhar na essência das nossas almas. 

A defesa da floresta em pé contra os interesses dos grileiros, madeireiros e garimpeiros ilegais é um dos maiores desafios para o futuro do Brasil. Disso depende a segurança nacional, uma vez que precisamos da água da Amazônia para abastecer com chuvas a produção de alimentos, geração de energia hidrelétrica e o fornecimento de água para o consumo das famílias, empresas e instituições do Brasil. Além disso, no contexto da crise climática, a proteção da floresta e o respeito aos povos indígenas é o que nos insere no concerto das nações – positiva ou negativamente.  

Ao contrário do que muitos pensam, proteger a floresta contra os agentes da destruição não é uma agenda que outros países impõem ao Brasil. É uma agenda da alma amazônica, maravilhosamente expressa no Festival Folclórico de Parintins, um agente dessa batalha pela floresta em pé.  

Apesar de discreta, a contribuição do Festival é extremamente significativa e deve ser objeto de enaltecimento e gratidão por todos que sonham e lutam por um futuro com a Amazônia viva e um Brasil mais justo e próspero. 



                À quem interessar possa, se tiver curiosidade ou quiser curtir, aqui vai o link de transmissão da edição desse ano, que tá acontecendo nesse final de semana.


https://www.youtube.com/live/xTq8eZagWH0?si=Ev-4-ElVmARHcKqj


Fonte:  fas-amazonia.org

quinta-feira, 19 de junho de 2025

Livres pra matar

 


¹ O Brasil se declarou oficialmente livre de gripe aviária nesta quarta-feira (18), após o fim dos 28 dias de vazio sanitário desde a confirmação de um caso da doença em uma granja comercial em Montenegro (RS). A informação foi confirmada pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).

Durante o período de vazio sanitário, nenhum novo caso foi registrado em granjas comerciais brasileiras, o que, segundo os protocolos da Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA), permite que o país retome o status de livre da doença. Foram registrados apenas casos em aves silvestres e de subsistência no período.

                                                    🎉


      Ainda em clima de euforia parabenizo, em primeira mão, autoridades políticas e sanitaristas  pela conquista. Nossas aves, finalmente, livres da gripe e aptas pro abate.

    A grande ironia dessa história, porém, é o fato de que a saúde e longevidade das galinhas é o que realmente menos importa. Após viverem sob condições degradantes, em confinamento, por toda uma vida, são, afinal, abatidas. Pescoço torcido, choque elétrico, sangria, os métodos variam.

      Feito o devido contraponto, sem me alongar em discursos ou exibição de imagens chocantes, de sofrimento animal, em coerência com meu estilo de vida, fica a minha reflexão em nome de quem não tem voz ativa pra tal.

 





1 cnnbrasil.com.br