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quarta-feira, 22 de novembro de 2023

O Òrìsà no ser humano, antes dele nascer

 



      A participação do Òrìsà na formação do ser humano começa antes de nascer. Na gestação o embrião já começa a ser protegido pelo Òrìsà, popularmente chamado de proteção na barriga. Em muitos casos são feitas seguranças para a Òsùn nesse momento, que podem variar no conhecimento de cada um em suas Bacias. Quando o ser está sendo gerado, principalmente quando a vida está em risco, a possibilidade de não existir o nascimento ou de vir a nascer com alguma deficiência física ou especial, se se quer que nasça uma criança saudável, a mãe é orientada pelas mais velhas e acompanhada pela parteira quando essa venha a nascer, principalmente se ela estiver dentro da comunidade. Ao nascer, pelos costumes arcaicos, a criança é apresentada para os fragmentos da natureza: ar, lua, sol.

       O cordão umbilical, enrolado em um algodão ou pano branco, é guardado em local da casa, geralmente junto dos Òrìsà, para que se for necessário em alguma ocasião, por questão de saúde, se faça um breve amuleto. Esse costume era feito nos tempos arcaicos da antiguidade: Se pede licença para a divindade da Terra, Odùduwà, se enterra a placenta num lugar do terreiro, se oferece a criança recém nascida para o Òrìsà e se planta uma muda de árvore. O recém-nascido vai crescer e acompanhar o crescimento daquela árvore, porque a partir desse momento os dois estarão ligados. A relação se torna sagrada para a criança que se torna adulta e começa a viver dentro da tradição, que começou a se perder quando os nascimentos, deixaram de ser feitos em casa, por parteiras, e passaram aos hospitais. Com a perda dessa tradição acabou um círculo de unir o ser com a natureza.

    



                                                                           



quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Unidos desde Òyó pelos laços familiares

 

orisa
Òrísá Òsun 


            Essa cadeia que nos alimenta desde os primórdios dos primeiros Yorubás, organizados que eram, passava em transmissão de seus conhecimentos para alguém interessado, confiável e de uma mente equilibrada, com uma cultura a ser ensinada na oralidade, e não na escrita, para que chegasse como chegou para uns e talvez não para todos. Assim passou a tradição oral do ritual de uma Nação que está na terra desde os primeiros Homo Sapiens, desde o início da humanidade, muito antes do cristianismo. Essa é a história escrita com H maiúsculo e ela vem de geração em geração passando na oralidade, que está no dia de hoje nos dando a chance de contar por várias vias as histórias de uma diversidade cultural que nossas ancestralidades nos deixaram, de uma forma tão viva como se eu tivesse vivido junto a eles nos seus tempos de prática da tradição.

            Quando eu faço a prática direcionada ao Sagrado, dentro do ojúbo (quarto de Santo) ou fora dele, sendo direto na natureza em seus lugares de moradia que são os matos, bosques, mar, pedreira, rio, cachoeira, cruzeiro, encruzilhada, cemitério, etc... quando estou nesses lugares o Áse (energia) é um pouco diferente de quando estou reverenciando algo aos Òrìsà dentro de casa. Ao meu ver, se eu digo que os Òrìsà são a própria natureza, o Àsé desse lugar se multiplica. Quando uma Òsùn recebe um leque fechado, ao ser aberto por ela, o leque nos mostra que direção vamos tomar em nossas vidas, só que certas vezes nós já mostramos à divindade Òsùn, antes dela abrir o leque, o que nós realmente queremos para nossas vidas e muitas vezes estas escolhas estão erradas. O que nos resta é ser humilde e voltar para ver se ela ainda está nos esperando para abrir o leque que só ela domina e, por minha experiência, tenho certeza que ela está a nossa espera, porque sei que Mãe não abandona filho. Sei que pode ser o inverso, mas se acontecer, volto a dizer: Òsùn, Yemojá, Obà, Oya, Òtin, nossas Mães no panteão Yorubá, elas não abandonam seus Omo (filhos), mas qualquer quer que seja o erro que nós venhamos a cometer, somos cobrados por elas. Não interessa o tamanho do erro nem para quem for, a cobrança é do mesmo peso quando se coloca na balança de Sàngó, o nosso Juiz.

            Até diziam os mais antigos que a cobrança de algum erro nosso é feita pelo Òrìsà masculino com muito rigor, e eles iam pedir para a divindade que fosse Mãe quem cobrasse. Para me fazer entender, na nossa Bacia o Pai está na cabeça e a Mãe no corpo, ou Mãe de cabeça e Pai no corpo, mas quem ordena e cobra é o dono da cabeça. Então vejo que a saída do filho castigado que vai buscar um colo, quem vai apaziguar vai ser o Òrìsà que corresponde ao corpo, e muitos vão correr pra Òsàlá, o Pai maior de todos, para que ele traga a paz com sua intervenção, e também dê o colo. Mas vejo que fazem isso nos casos em que o erro não é grave, mas mesmo assim a cobrança será feita.

quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Tradições Yorubás praticadas nas senzalas no século XVIII

 

Imagem que apresenta o enredo da Escola de Samba Império
Serrano, "Ilú obá Òyó: A gira dos ancestrais", para o carnaval de 2024

                   E vendo o ato de canto de dança, os guardiões levavam ao conhecimento dos seus patrões, o barulho dos negros dentro da senzala, esperando suas ordens para silenciar com castigos e maus tratos. Falavam que os negros mal chegavam na senzala, começavam a cantar sem ter hora de acabar. Num desses dias, certo negociador e traficante de seres humanos escravizados tinha chegado na fazenda para tratar de negócios. Em uma negociação do comércio entre negros e açúcar para fora do Brasil, viu o "mal-feitor" reclamar dos escravizados pelo barulho e o comerciante entrou no assunto e perguntou o que os negros faziam após o duro trabalho nos canaviais. O fazendeiro convidou-o para ver com seus próprios olhos a satisfação deles depois de uma dura jornada de trabalho nos canaviais e, chegando lá, estavam mesmo cantando e dançando. O comerciante, acostumado a andar em fazendas, olhou para o fazendeiro e disse: "O que esses estão fazendo é Batuque, bater, batucar, é desse forma que lhe mostram que estão conformados com a escravidão". O comerciante disse que já sabia que eles, os negros, faziam essa prática de cantar e dançar e isso acontecia em outras fazendas. Lembrou que lá na África muitos negros eram caçados nesses momentos de diversão entre eles, de batuko. Assim disse o comerciante e recomendou: "Deixe eles batucarem, assim não se revoltam e esquecem do passado." À partir daí, com a denominação Batuque, os escravizados que tinham esse costume passaram a ter um pouco de paz nesse momento e o Batuque ainda está entre nós.

          O povo yorubá bate com os pés no chão e bate palmas com as mãos para rezar com suas divindades. Os fazendeiros não deram mais importância às batucadas feitas pelo negros dentro das senzalas, ficou o ditado entre eles, os escravistas: 'Deixem esses negros fazerem batuko, batuque, é uma forma deles demonstrarem alegria." Mas na realidade eles estavam falando com suas ancestralidades e suas divindades. Até hoje, essa denominação é usada em roda de samba. Quem não lembra desse nome pra se referir a uma festa com música e alegria? Quando perguntavam a alguém que vinha feliz de uma roda de samba, todos temos lembranças dessa pessoa dizendo "estava em uma batucada, um batuque ou batucajada".

          Por isso eu digo que Batuque é uma denominação da tradição do povo Bantu, mas que serviu para o Povo Yorubá no Rio Grande do Sul.

quarta-feira, 1 de novembro de 2023

A denominação "Batuque"

           


                    Entramos no mês em que, tradicionalmente, os brasileiros refletem com mais intensidade questões como o racismo e afirmação do povo negro, num mergulho à suas raízes africanas. Nada, pois, mais oportuno do que abrir a sala de visitas do blog pra alguém com linhagem e autoridade no assunto.

        Conforme sinalizei alguns meses atrás, trago á partir de agora, em quatro atos, "O Batuque de Nação Òyó no Rio Grande do Sul" um livro bem interessante pra quem estuda ou sente curiosidade sobre o tema. Independentemente da amizade que tenho com o autor, genuíno Mestre Griot da tradição yorubá, considero que a obra cumpre, numa linguagem popular e de fácil assimilação, o papel de esclarecer muitas dúvidas e tabus criados em torno da religiosidade afro-brasileira. 

        Espero que curtam essa viagem e, como eu, aprendam um pouco mais sobre esse assunto que carece ainda de maior explanação.


           O Batuque, ou Batuko, é uma denominação que, como muitas outras, veio na bagagem dos seres humanos escravizados trazidos do continente africano do século XVI até o século XIX. Mas, na oralidade, ele veio a ser trocado na boca dos escravistas de engenho. Na origem, Batuko ou Batuque, em Cabo Verde, é um prática cultural que existe desde há muitos séculos nesse povo.

       Na formação inicial, o Batuko cabo-verdiano é praticado por homens, mas seguidamente também por mulheres. Elas ficam sentadas no terreiro em formato de roda, batendo em algo tipo uma almofada revestida de couro colocada no meio das coxas. Ao bater coma a palma da mão tiram um som igual a de um tambor, com afinação grave. É praticado por senhoras e jovens, de todas as idades. Ao mesmo tempo, cantam alegremente, enquanto uma pessoa dança sozinha no meio da roda  e assim vão revezando no meio do terreiro,

      Todos os cabo-verdianos conhecem o Batuko, que ainda hoje é uma prática cultural muito conhecida. Há antropólogos e historiadores que estudaram o Batuko de Cabo Verde, como a pesquisa de Gláucia Nogueira intitulada "Percurso do Batuku: Do menosprezo a patrimônio imaterial", em que se encontram informações importantes. Quem me explicou o que sei do Batuku de Cabo Verde foi a senhora Sadine Correia, cabo-verdiana que mora em Porto Alegre, criadora da marca "Afroberdiana"

       Na colonização, por volta do século XVIII, O Batuku foi criminalizado pelos escravistas, como tantas outra práticas africanas. Há registros de proibição em um bando oficial do Governador Português de Cabo Verde, que dizia que essas reuniões de Batuku propiciam desordens à noite "com tanto excesso que chega a ser por todos os fins escandalosos a Deus e de perturbação às leis e ao sossego público". A mentalidade colonial sempre viu essas práticas culturais africanas como desordem que se opõe à moralidade e à civilização, sem compreender seu significado. No máximo, as visões mais ingênuas, permitiam o Batuko como uma prática que servia aos escravizados para "esquecer os pesares", como se fosse um simples divertimento.

       No Brasil, o Batuque propiciou uma forma do Povo de Òyó confundir aos seus guardiões e os senhores, seus malfeitores, para poder manter suas tradições e cultuar suas Divindades.

     Os negros escravizados aqui no Brasil saíam do trabalho braçal no sistema escravista e em seus momentos de descanso, no curto tempo que tinham, sem eles saberem que dia era do mês, nem que ano, nem onde estavam -- só sabiam que estavam acorrentados -- após saírem dos canaviais eram jogados dentro das senzalas. Num certo horário, um dos escravizados cantava e os demais respondiam em suas línguas nativas, e quando era permitido dançavam em rodas, um atrás do outro, batendo com os pés, quem ainda tinha força. Eu penso que era a única maneira deles lembrarem de suas origens e falarem entre eles em suas línguas nativas, e ao mesmo tempo rezar para suas divindade Òrisàs. Para eles era a única esperança de sobreviver do castigo que tinham no dia a dia, porque nunca foram abandonados pelas suas divindades Òrisàs.


                                                               Continua na próxima  postagem