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terça-feira, 1 de janeiro de 2019

A arte no continente africano


       

        Quando os europeus, grandes conhecedores da arte naquela época, viram os trabalhos artísticos feitos pelos africanos, os primeiros habitantes do planeta (segundo a própria Arqueologia), eles entenderam que o conhecimento que tinham, na verdade, não podia ser comparado aquelas obras reproduzidas com habilidade, por mãos de homens e mulheres nativos de um continente tão distante.
          O africano pode ser considerado uma soma de riquezas vindas diretamente da natureza e sua manifestação artística era uma reprodução do que eles enxergavam, suas visões sobre o mundo. Afirmo, no entanto, que o africano é semelhante a uma jóia rara que foi ricamente lapidada.
          Para a surpresa de outras civilizações, os africanos já sabiam, há séculos, entalhar em madeira, esculpir e pintar telas. Os Yorùbás e os Hauças, por exemplo, ficaram conhecidos por serem grandes artesãos e tintureiros. Suas obras, que retratavam a ligação que tinham com as divindades, estão permanentemente expostas em museus da França. Vale dizer que até o final do século XVIII a produção artística oriunda da África foi excluída da história da arte ocidental. Somente á partir do século XIX  a Europa veio a reconhecer o valor das manifestações criativas e habilidades destes povos ainda desconhecidos com quem começavam a ter os primeiros contatos.
          Os primeiros estudos e referências sobre a produção artística no continente africano começaram com Leo Frobenius, nos anos 30. Seus relatos reconheciam a existência de uma exuberante civilização, contrapondo-se a visão europeia daquela época, que afirmava ser a África um continente de bárbaros. Os europeus só sabiam daquele pedaço de chão e seus habitantes, aquilo que lhes interessava, pelo ângulo do comércio de escravos. Os saberes históricos, antropológicos e etnológicos falseavam as perspectivas em favor de uma concepção eurocêntrica (Europa como centro do mundo), elaborada na época auge da hegemonia europeia. Essa concepção foi introduzida nas colônias através dos sistemas educacionais implantados pelos colonialistas.
          No início do século XX os historiadores da arte, etnólogos e especialistas em estética começaram a se interessar pela arte negra. Foi apenas a partir dessa década que surgiu então uma outra reflexão deles sobre a arte africana. Respeitada finalmente, a produção artística deles foi submetidas ás leis gerais da economia: oferta e procura. Os salões e exposições de arte, é fato, buscam equilibrar esses dois elementos.
             Surgiu no referido período, um novo modismo, inspirado no interesse pela arte negra. Muitos artistas europeus, na verdade, já conheciam o que era feito na África antes mesmo das obras chegarem a famosos espaços como galerias de arte em Paris e Londres. Máscaras da Costa do Marfim, estatuetas do Benin e figuras esculpidas em marfim chamaram a atenção de artistas como Maurice de Vlamink, Henri Matisse, Pablo Picasso e André Derain. O encontro da arte européia com a africana, esse intercâmbio, gerou um enriquecimento ainda maior na produção feita por lá, no outro lado do oceano. Mesmo assim, é importante afirmar que nunca foi necessário o africano receber influência ou instrução de outro povo para lapidar aquilo que criava. Algo que acabou despertando atenção para essa realidade foi a descoberta e crescente interesse por jazidas de metais preciosos, é claro, motivado por interesses econômicos, atividade essa principalmente dos ingleses. Tudo para eles girava em torno de especulação e lucro.

           No ano de 1897 foram tiradas da África obras fundidas em bronze, encontradas em Benin. Foram levadas pelo ingleses à Europa e nunca mais foram devolvidas aos seus criadores. Inúmeras observações absurdas foram feitas, entre estas, que os africanos aprenderam o que sabiam com os colonizadores e que estes teriam ensinado a manusear o ouro e o ferro. Disseram também que toda a arte feita na África era oriunda da India. Outra vertente dizia que fora transmitida por árabes e que eles passaram a técnica para os negros. Os europeus não conseguiram aceitar que aquelas pessoas de pele escura nasciam já religiosos, eram a primeira raça a habitar na Terra e que nos primórdios, suas obras eram talhadas como representação das suas divindades. É um absurdo dizer e defender a idéia de que os africanos tiveram que aguardar a chegada dos europeus em seus territórios para aprenderem a confeccionar tambores com técnicas melhores, não mais de maneira rudimentar, como já faziam.
           Os achados de Ifé e de Nok, civilizações que floresceram há muitos séculos antes do desembarque dos europeus, comprovaram a grandeza e a originalidade da produção artística feita por lá, bem como o alto nível cultural que tinham.  Esculturas bambara ou bonecas da fertilidade (tyi-wara), Senufo ou bancos, assentos, imagens totênicas, degon, ou figuras antropomórficas dos ancestrais, todas haviam sido feitas por povos que viviam na costa ou na selva atlântica. Bigajós, também figuras de ancestrais, vaca bruta, representações de crianças, adultos e idosos, barcos e pinturas murais na parede das habitações, figuras ligadas a fertilidade na terra Kyssy, estatuetas de pedra, tudo isso veio do Golfo da Guiné. Os baulés (esculturas negras, agni cerâmica, assentos e bancos sacralizados) os Ashantis (máscaras em ouro e figuras ancestrais),  e Yorùbá (tecelagem), pesos em ouro e peças em marfim, confeccionadas por grupos que viviam na região da floresta ocidental do Congo, de Angola, Gabão e Camarões (povo Banto). Falo ainda de outras peças como o há bambum (troncos cobertos de pérolas e conchas), Dualas, canoas e cachimbos), Fang (cabeças bustos e figuras ancestrais), Bakota (objetos para rituais funerários), Bakudas (figuras reais), cilindros de adivinhação e peças em relevo, tudo isso produzido nas regiões sul e oriental africanas, expressões do grupo étnico conhecido como maconde, do Moçambique.
           Aos interessados, as obras e esculturas aqui listadas estão em exposição permanente nos Museu do Homem, em Paris, França.




Fonte: Texto de Gercy Ribeiro, o mestre  Cica de Òyó, no livro "Negras Palavras Gaúchas" edição 2013- Editora Evangraf.




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