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quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Na margem


            Por aqui, é hora de remexer novamente na minha primitiva produção literária. O livro é "No limite das palavras" e não chegou à ser publicado. Tem um forte caráter autobiográfico e resolvi deixá-lo, por ora, de lado, pra ser lançado, talvez, quando eu me tornar famoso.                 


                                                                           (...)

            Após doze horas de viagem com os outros recrutas, um cabo e um sargento responsável pela turma, chegaram ao seu local de destino, juntando-se à outros rapazes de cidades e estados vizinhos. Formavam ao todo uma turma de noventa novos marujos.
         Charlie adaptou-se relativamente bem à nova rotina, provando pra si mesmo que podia sobreviver sem as tradicionais mesadas do  pai e ainda por cima cuidar das próprias roupas, sem o cuidado super protetor da mãe. Isso foi pra ele, naquela fase de vida, importante conquista.
          A Escola de Formação dava fundos para uma praia que, apesar do límpido aspecto, segundo comentários dos instrutores militares,  estava contaminada com certo produto químico,  impossibilitando banhos e mergulhos no local. Os limites da Escola abrangiam cerca de setecentos metros dessa praia. Haviam árvores que embelezavam a paisagem litorânea de ponta á ponta, alinhadas a uns trinta metros da margem. Debaixo de uma delas estavam colocados dois bancos de praça. E foi justamente sentado num deles, diante daquela sugestiva paisagem, logo na primeira semana em que lá chegou, que escreveu as suas primeiras PALAVRAS em terra estranha.
 

                             Na margem


             Por que esse mar ora tão manso,
                  ficou agora tão feroz?
                          Ao certo não deve ser minha presença,
                        que está a lhe incomodar.
                       Quem sabe seja alguém, lá do outro lado,
                         a forte suas águas soprar.
                            Ou talvez apenas por capricho,
                        resolveu se rebelar. 
                              
                               Eu respeito a força dele,
                               São pra ele essas rimas.
                               Por que eu aqui escrevo?
                               Talvez só por agradecimento,
                               à essa única companhia minha.
                               Talvez pela minha mania de exaltar,
                               o que pouco foi exaltado.
                           Pela minha atração pelo que é majestoso,
                               por tudo que não cobra pedágios, 
                               nem esconde a sua beleza pura.


                               Quem sabe nas suas águas,
                               não habite uma bela sereia,
                               que venha até mim e cante uma canção do mar.
                               Sob o bater de asas das gaivotas,
                               que circundam a praia,
                               me vejo frente a um gigante isolado,
                               que vive sem ultrapassar a terra,
                               abundante à sua volta.


                               Está em seu lugar de direito,
                          em contraste com a lua cheia.
                               Ele representa a solidão,
                               e todo mistério que envolve essa vida.   
                             
                      (...)
                                          
                          

         

domingo, 3 de novembro de 2024

Jamaica, arte & periferia

 


            Os bairros da periferia (como o de Trench Town (foto acima) crescem rápida e desordenadamente. Não há empregos para todos e a tensão social chega a níveis insuportáveis. Muitos jovens se entregam à criminalidade e passam a ser chamados de rude boys (em inglês, assim como em português, rude significa grosso, mal educado). Como muitos destes rude boys usavam dreadlocks ¹ , o preconceito contra os rastas, que já era grande devido ao consumo público de ganja ², cresce injustificadamente. Ás populações carentes e especialmente aos rastas, restava a esperança de ganhar a vida através da arte. Muitos deles dedicaram-se à música.  É impressionante que um país pequeno como a Jamaica, cuja população pouco supera a marca de 2,5 milhões de habitantes, tenha revelado uma quantidade tão grande de músicos, influenciando a música popular ao redor de todo o mundo. A música, principalmente o ska, dos anos 60, e o reggae, nas décadas seguintes, acabou sendo a grande divulgadora da filosofia rastafari, dentro e fora da Jamaica. Infelizmente, o movimento rastafári, talvez devido à sua complexidade, nunca foi muito entendido, mesmo na Jamaica (veja-se o exemplo dos rude boys). É comum encontrar pessoas que pouco conhecem sobre a cultura rasta ostentando enormes dreadlocks. Muitas vezes, suas atitudes acabam contribuindo para a manutenção do estereótipo segundo o qual os rastas são criminosos drogados. Mas a cultura rasta continua ganhando adeptos em todo o mundo, e está cada dia mais sofisticada. A busca pelo conhecimento de nossas raízes e, principalmente, a resistência aos valores superficiais incentivados pela sociedade de consumo, são grandes exemplos a ser seguidos por qualquer homem, seja ele negro ou não, rasta ou não.




¹  Penteado característico da cultura rastafári que consiste em fios de cabelos enrolados em formato cilíndrico.

² Maconha


Fonte: www.casadoreagge

sábado, 26 de outubro de 2024

Porã

 


            Mais uma vez, por motivo de força maior, pra matar a ociosidade que provoca a falta de energia elétrica, consegui iniciar e concluir a leitura de mais um livro pro meu currículo. Fortes ventanias aqui no sul do país deixaram grande parte das cidades gaúchas sem luz e mais uma vez esse Servidor Público ficou praticamente todo o expediente sem ter o que fazer.

     "Porã", de Antônio Hohlfeldt, é um livro bem fino, de pouquíssimas páginas, mas que transmite uma mensagem sobre o preconceito de pele, fazendo-me refletir que, não necessariamente, é preciso escrever uma obra extensa, épica, pra mergulharmos fundo na alma do leitor.  A obra narra o primeiro dia letivo de uma criança indígena numa escola da cidade. Começa e termina indo direto ao ponto da discriminação racial, apontando culpados, consequências e heróis.


" Porque a professora tinha feito aquilo comigo? Eu sempre tive muito orgulho de me chamar Porã. A mãe tinha me dito que Porã era o nome de um avô do avô do meu avô, que era muito valente, e que por isso eu devia respeitar aquele nome e ter orgulho dele. E eu tinha muito respeito e levava aquele nome com muito orgulho. Por essa razão, não liguei muito quando aos pessoas da cidade me deram outro nome, "tu agora vais te chamar Pedro", me disseram.

Porque eu era Porã e, mesmo que quisessem juntar os dois, Pedro e Porã, ou Porã Pedro, eu era Porã, este nome era meu e isso me alegrava muito."


          O autor nos faz perceber a culpa individual que cada um de nós, pai ou mãe, pode carregar perpetuando esse sentimento tão equivocado e nocivo, que faz alguém menosprezar o outro tão somente pela cor da pele.


"... Se você prende uma árvore de uma maneira, ela vai crescer assim. Se você prendeu torta, ela vai crescer torta. Se você prendeu direito, ela vai crescer bonita. Se os pais destas crianças ensinaram que o índio não é gente, ou que nós somos vagabundos, elas só vão repetir o que ouviram dos adultos."


         Conforme dito, o livro é de poucos parágrafos, mas impregnado pelo aroma e colorido das matas caingangues ¹, mostrando uma triste realidade, mas ao mesmo tempo apontando à um caminho de superação individual pra lidar com a situação. É minha sugestão de leitura, recomendável pra quem precisa, como eu, entretenimento por breves instantes, até que luz volte, ou pra uma viagem de ônibus dentro da cidade, em dia de engarrafamento.


¹ Etnia indígena retratada na obra.