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segunda-feira, 12 de junho de 2023

O velho e o mar - Resenha minha

 


          Pra mim, que já havia lido Hemingway em outra oportunidade e não havia ficado assim tão entusiasmado, “O velho e o mar” acabou sendo grata surpresa. A familiaridade desse autor com o modo de vida e paisagens litorâneas é uma marcante característica que permeia inteiramente o livro desse escritor norte-americano, aproximando-o de leitores “praieiros”, amantes da brisa marítima, areia quente e da imensidão de água salgada, estendida como tapete, horizonte à dentro. Sou natural de uma cidade carinhosamente apelidada de “Noiva do Mar”, por isso me sinto à vontade pra escrever sobre esse assunto, guardadas, é claro, as devidas proporções.  A temática remete-nos a mistério, autorreflexão e solidão, tudo que raramente se encontra no dia-dia urbano. Talvez por isso, tantos sintam-se atraídos pelas ondas do mar, seja presencialmente, seja na pena do poeta ou romancista. “Navegar é preciso”, como forma de afastar o stress, que tantas vítimas faz. Mergulhemos juntos nessa narrativa impregnada de maresia.

          Somente um narrador familiarizado com a realidade fria de se estar só, é o que deduzo, conseguiria escrever uma obra como essa. O velho pescador, protagonista da trama, preenche a esmagadora maioria das páginas do livro num monólogo sincero e espontâneo sobre o seu papel no mundo. As suas reflexões são carregadas de melancolia e vergam-se ao peso dos anos. Apesar do raciocínio ainda rápido, exigido pela profissão, o corpo já não é o mesmo e isso lhe impõe sérias restrições que contribuem decisivamente em sua sorte final.

          Santiago é um velho homem do mar, acostumado a protagonizar no passado grandes façanhas no disputado mundo da pesca, onde a experiência trazida pelo tempo garante, em parte, o sucesso.

“O velho pescador era magro e seco e tinha a parte posterior do pescoço vincada de profundas rugas. As manchas escuras que os raios de sol produzem sempre nos mares tropicais, enchiam-lhe o rosto, estendendo-se ao longo dos braços, e suas mãos estavam cobertas de cicatrizes fundas que haviam sido causadas pela fricção das linhas ásperas  enganchadas em pesados e enormes peixes. Mas nenhumas dessas cicatrizes era recente.

Tudo o que nele existia era velho, com exceção dos olhos que eram da cor do mar, alegres e indomáveis.”

   

          É um livro que, essencialmente, como já ressaltei, discorre sobre a solidão. Não fossem os diálogos com Manolim, o rapaz, seu fiel ajudante, seria inteiramente escrito em forma de monólogo. Mesmo assim, o jovem só aparece no início e bem ao final da narrativa, desenvolvida em torno do velho sozinho, em alto mar, na sua canoa, ás voltas com peixes, tubarões e andorinhas. Santiago lança-se, sem qualquer parceiro,  em sua pequena embarcação, querendo provar a si mesmo que não estava ultrapassado, conforme andavam especulando os seus colegas de ofício. A sua sorte com o anzol, isso era fato, andava escassa e as últimas tentativas de fisgada haviam sido, todas,  em vão. Parte, equipado com todos os apetrechos de um profissional, disposto a recuperar o prestígio e confiança de décadas atrás.

 “O que acontece é que acabou a minha sorte. Mas Quem sabe? Talvez hoje. Cada dia é um novo dia. É melhor ter sorte. Mas eu prefiro fazer as coisas sempre bem. Então se a sorte me sorrir, estou preparado.”

 

          Dispensa a companhia do rapaz, que solicitamente providencia toda a logística necessária pra sua batalha pessoal e de sobrevivência. O inesperado acaba acontecendo e aquilo que deveria ser um dia de pescaria, acaba arrastando-se a uma maratona marítima de três dias. O velho, após frustradas tentativas, acaba fisgando um enorme peixe, que com sua descomunal força, preso ao anzol e linha, arrasta-o à direção incerta, para um passeio mar á dentro. Santiago, conhecedor dos segredos e estatutos da pesca, é paciente e espera o gigante de escamas se cansar, o que acaba levando mais de um dia. Quando a oportunidade, por fim, aparece, com o bicho já exausto, ele é certeiro, cravando mortalmente no peitoral dele o arpão que trouxera consigo. Amarra- o, em ato contínuo, à canoa e vai conduzindo o enorme corpo flutuante de aproximadamente quinhentos quilos em direção à costa.  

          Quando a história parece se encaminhar pra um final feliz, com o triunfo do velho pescador desembarcando no vilarejo com seu mega prêmio, tubarões começam a aparecer pra estragar a festa. Ávidos por carne, alternadamente, os predadores marinhos vão abocanhando aquilo que estava destinado tão somente a mesas humanas. O sangue vertido do volumoso ferimento feito pelo arpão, espalhado na água, acaba sendo um convite. O idoso pescador, bravamente, bem que tenta resistir-lhes, mas lhe faltam forças e armas adequadas. Chegando finalmente à praia, o que resta é tão somente uma carcaça seca presa á canoa. Exausto, fraco, dolorido, ferido nas mãos pela linha de pesca, mal consegue ele arrastar-se á sua cabana. Recebe os cuidados do jovem amigo, Manolim, dorme e, de uma forma não muito clara deparamo-nos com o final. A última ilustração do livro é quem dá o desfecho inequívoco do que, de fato, aconteceu, mas isso não vou ser eu quem vai contar-lhes.

          A obra me conquistou pela simplicidade do enredo e fluidez do texto, típica de um escritor jornalista com o foi Heningway. Tudo é real, familiar e direto ao ponto. O único enigma surge justamente no desfecho e força-nos a reler os parágrafos finais pra tentar entende-lo.

          O autor, segundo consta, se despediu da vida de uma forma um pouco trágica, mas deixou um legado escrito que merece o maior respeito de todos nós. Faço desta uma ótima sugestão pra se ler em férias, durante a viagem.

quinta-feira, 1 de junho de 2023

O Grito

 



                                                        Hoje ouvi que o meu silencio,

                                                  o meu silencio grita,

                                                  Ás vezes grita tão alto,

                                                 que fica em silêncio... me irrita.

                                                 São eles gritos tristes de saudade e de dor,

                                                 Às vezes gritos de paz, liberdade e amor.

                                                 Gritos de piá, gritos de homem e na dificuldade,

                                                 o mais sombrio dos gritos.

                                                 O Grito da fome.

                                                 Mas não só de fome de alimento

                                                 Fome de saber,

                                                 Será que era pra ser assim?

                                                 E já que é, ouço o grito do porquê,

                                                 sem chegar a nenhuma resposta.

                                                 Fecho meus olhos e penso.

                                                 E ouço um grande grito,

                                                 o grito do silêncio.


                                                                                                      J.G.L.R.


         Fonte: Coletãnea "Vozes de um tempo", VOL. 3 (Relatos e vivências de pessoas privadas de liberdade no sistema prisional do Estado do Rio Grande do Sul)- Editora Concórdia- 2017