
 
Não há muitos livros que tenham vivido uma vida tão atribulada como 
"A Cabana do Pai Tomás". Publicado entre 1851 e 1852 sob a forma de 
folhetim, num jornal antiesclavagista moderado, "National Era", e 
recusado pelos primeiros editores a quem foi proposto sob a forma de 
livro, "A Cabana do Pai Tomás" acabaria por ser editado nesse formato a 
20 de Março de 1852. O livro vendeu dez mil exemplares na primeira 
semana de vendas nos Estados Unidos e 300.000 exemplares no primeiro 
ano. Na Grã-Bretanha, no primeiro ano de edição, venderia um milhão e um
 segundo milhão nas suas várias traduções em diversos países. Segundo as
 suas próprias palavras, Harriet Beecher Stowe esperava ganhar com a 
obra o suficiente para comprar um vestido novo, mas os primeiros três 
meses de vendas renderam-lhe a soma de 10.000 dólares - uma pequena 
fortuna. Em 1861, nas vésperas da Guerra Civil Americana (1861-1865), a 
autora era a mais famosa escritora do mundo e o livro atingia uns 
fabulosos 4,5 milhões exemplares vendidos - um número tanto mais 
espantoso quanto muitos dos estados do Sul dos Estados Unidos o tinham 
proibido, quanto havia contra ele uma intensa campanha política e os 
cinco milhões de escravos que integravam os 32 milhões de americanos de 
então eram praticamente todos analfabetos. Havia um exemplar de "A 
Cabana do Pai Tomás" em cada família americana não militantemente 
esclavagista, o que o tornava o livro mais difundido depois da Bíblia, 
da qual era companheiro de estante frequente.
A seguir à Guerra Civil
 americana, da qual é apontado como uma das causas directas (a lenda 
reza que Abraham Lincoln, durante uma visita de Harriet Beecher Stowe à 
Casa Branca, em 1862, lhe terá chamado "a pequena senhora que fez esta 
grande guerra"), o livro foi caindo gradualmente no esquecimento e só 
voltaria ao primeiro plano após a Segunda Guerra Mundial, para 
conquistar um lugar cativo no panteão dos "grandes romances americanos".
Tudo começou com o martírio do Pai Tomás 
Nascida
 numa família fervorosamente religiosa, filha do mais famoso pregador 
evangelista da sua geração, Lyman Beecher, e casada com um professor de 
teologia, Calvin Stowe, Harriet viveu toda a vida num ambiente de 
extrema devoção e firmes convicções antiesclavagistas, alicerçadas numa 
veemente fé cristã na igualdade de todos os homens. Antes de "A Cabana 
do Pai Tomás" a sua reputação como escritora era inexistente e a sua 
carreira nesse domínio resumia-se a alguns textos morais e bucólicas 
descrições campestres. Terá sido a aprovação da Lei dos Escravos 
Fugitivos, em 1850 (que tornava um crime dar ajuda ou refúgio a estes 
escravos e que foi acatada por alguns estados do Norte), que levou 
Harriet Beecher Stowe a deitar as mãos ao romance. Isso e uma visão que 
teve um dia depois da comunhão, em que à frente dos seus olhos viu 
desfilar o martírio e morte do Pai Tomás.
Misto de romance e 
panfleto, "A Cabana do Pai Tomás" está cheio de interpelações 
lacrimogéneas ao leitor ("mãe que lês estas páginas...") e de fórmulas 
de fervor religioso que datam o texto e podem tornar a leitura 
fastidiosa. O texto está recheado de orações lançadas ao seio do 
Todo-Poderoso, rogos dirigidos Àquele que é piedade e compaixão, 
louvores ao Senhor, glórias a Jesus, bênçãos ao Criador, de uma fé 
inquebrantável nos Seus desígnios e de hinos fervorosos que sobem aos 
Céus (muitos deles acompanhados da respectiva letra) por entre os 
olhares marejados de lágrimas daqueles que não aspiram senão a ser 
chamados à Sua glória. Apesar disso, a viva caracterização dos seus 
personagens - um dos mais famosos críticos americanos, Edmund Wilson, 
escreveu que "os personagens se exprimem muito melhor do que o autor" - 
fazem do livro uma obra poderosa, que se lê com inevitável adesão.
 Fonte: www.publico.pt