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terça-feira, 20 de setembro de 2016

A escravidão no Brasil






História da Escravidão: Introdução

Ao falarmos em escravidão, é difícil não pensar nos comerciantes portugueses, espanhóis e ingleses que superlotavam os porões de seus navios de negros africanos, colocando-os a venda de forma desumana e cruel por toda a região da América.

Sobre este tema, é difícil não nos lembrarmos dos capitães-do-mato que perseguiam os negros que haviam fugido no Brasil, dos Palmares, da Guerra de Secessão dos Estados Unidos, da dedicação e ideias defendidas pelos abolicionistas, e de muitos outros fatos ligados a este assunto. 

Apesar de todas estas citações, a escravidão é bem mais antiga do que o tráfico do povo africano. Ela vem desde os primórdios de nossa história, quando os povos vencidos em batalhas eram escravizados por seus conquistadores. Podemos citar como exemplo os hebreus, que foram vendidos como escravos desde os começos da História.  

Muitas civilizações usaram e dependeram do trabalho escravo para a execução de tarefas mais pesadas e rudimentares. Na Antiguidade Clássica (Grécia e Roma) havia um grande número de escravos; contudo, muitos de seus escravos eram bem tratados e tiveram a chance de comprar sua liberdade.  

                                                                        Escravidão no Brasil



No Brasil, a escravidão teve início com a produção de açúcar na primeira metade do século XVI. Os portugueses traziam mulheres e homens negros africanos de suas colônias na África para utilizar como mão-de-obra escrava nos engenhos de açúcar do Nordeste. Os comerciantes de escravos portugueses vendiam estes negros africanos como se fossem mercadorias aqui no Brasil. Os mais saudáveis chegavam a valer o dobro daqueles mais fracos ou velhos.

O transporte era feito da África para o Brasil nos porões do navios negreiros (tumbeiros). Amontoados, em condições desumanas, muitos morriam antes de chegar ao Brasil, sendo que os corpos eram lançados ao mar.

Nas fazendas de açúcar ou nas minas de ouro (a partir do século XVIII), os escravos eram tratados da pior forma possível. Trabalhavam muito (de sol a sol), recebendo apenas trapos de roupa e uma alimentação de péssima qualidade. Passavam as noites nas senzalas (galpões escuros, úmidos e com pouca higiene) acorrentados (para evitar fugas). Eram constantemente castigados fisicamente, sendo que o açoite era a punição mais comum no Brasil Colônia.

Eram proibidos de praticar sua religião de origem africana ou de realizar suas festas e rituais africanos. Tinham que seguir a religião católica, imposta pelos senhores de engenho, adotar a língua portuguesa na comunicação. Mesmo com todas as imposições e restrições, não deixaram a cultura africana se apagar. Escondidos, realizavam seus rituais, praticavam suas festas, mantiveram suas representações artísticas e até desenvolveram uma forma de luta: a capoeira.

As mulheres negras também sofreram muito com a escravidão, embora os senhores de engenho utilizassem esta mão-de-obra, principalmente, para trabalhos domésticos. Cozinheiras, arrumadeiras e até mesmo amas de leite foram comuns naqueles tempos da colônia.

No Século do Ouro (XVIII) alguns escravos conseguiam comprar sua liberdade após adquirirem a carta de alforria. Juntando alguns "trocados" durante toda a vida, conseguiam tornar-se livres. Porém, as poucas oportunidades e o preconceito da sociedade acabavam fechando as portas para estas pessoas.

O negro também reagiu à escravidão, buscando uma vida digna. Foram comuns as revoltas nas fazendas em que grupos de escravos fugiam, formando nas florestas os famosos quilombos. Estes eram comunidades bem organizadas, onde os integrantes viviam em liberdade, através de uma organização comunitária aos moldes do que existia na África. Nos quilombos, podiam praticar sua cultura, falar sua língua e exercer seus rituais religiosos. O mais famoso foi o Quilombo de Palmares, comandado por Zumbi.

Campanha Abolicionista e a Abolição da Escravatura

A partir da metade do século XIX a escravidão no Brasil passou a ser contestada pela Inglaterra. Interessada em ampliar seu mercado consumidor no Brasil e no mundo, o Parlamento Inglês aprovou a Lei Bill Aberdeen (1845), que proibia o tráfico de escravos, dando o poder aos ingleses de abordarem e aprisionarem navios de países que faziam esta prática.

Em 1850, o Brasil cedeu às pressões inglesas e aprovou a Lei Eusébio de Queiróz que acabou com o tráfico negreiro. Em 28 de setembro de 1871 era aprovada a Lei do Ventre Livre que dava liberdade aos filhos de escravos nascidos a partir daquela data. E no ano de 1885 era promulgada a Lei dos Sexagenários que garantia liberdade aos escravos com mais de 60 anos de idade.

Somente no final do século XIX é que a escravidão foi mundialmente proibida. Aqui no Brasil, sua abolição se deu em 13 de maio de 1888 com a promulgação da Lei Áurea, feita pela Princesa Isabel.   

A vida dos negros após a abolição da escravidão

Se a lei deu a liberdade jurídica aos escravos, a realidade foi cruel com muitos deles. Sem moradia, condições econômicas e assistência do Estado, muitos negros passaram por dificuldades após a liberdade. Muitos não conseguiam empregos e sofriam preconceito e discriminação racial. A grande maioria passou a viver em habitações de péssimas condições e a sobreviver de trabalhos informais e temporários.

Você sabia?

- 25 de março é o Dia Internacional em memória das vítimas da escravidão e do tráfico transatlântico de escravos.

- No Brasil, 28 de janeiro é o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo.





Fonte: www.suapesquisa.com


domingo, 4 de setembro de 2016

Resenha- Memórias de Geraldo do Cavaco


          Música e literatura, é fato, andam de mãos dadas no Brasil, configurando-se esta, uma pareceria que se confunde à formação de nossa identidade peculiar, como nação. Autores clássicos como Machado de Assis, Lima Barreto e Aloísio de Azevedo já flertavam com as partituras, nem que fosse para retratarem superficialmente o que sentiam ou pensavam seres tão atípicos quanto os músicos. Com o passar dos séculos, cronistas e críticos musicais debruçaram-se sobre esse inesgotável tema, produzindo impecáveis obras que retrataram e esmiuçaram a Música Popular Brasileira, catalogando estilos, períodos e tendências. É possível, graças a estes, estudarmos com ampla abrangência teórica, o que de fato aconteceu, quem foi e fez determinado compositor ou ainda, onde germinou um específico gênero nacional.
            De uns tempos pra cá, segundo percebo, a hegemonia dos estudiosos e pesquisadores começou a ser ameaçada ou, na melhor das hipóteses, compartilhada com a produção literária dos próprios músicos, que resolveram, eles próprios, contarem as suas próprias tramas. Não citarei nomes para evitar ser tendencioso, mas são vários os sambistas, roqueiros, rapers e repentistas que resolveram investir em suas idéias e relatos escritos. É a música vista pelo lado de dentro, definida por quem a faz. Sai ganhando, principalmente, o admirador sincero dessa arte, seja ele hábil ou não em algum instrumento.
          Inserindo-me nesse contexto, através da presente resenha, trago à tona uma obra que, recentemente lançada, mergulha nas raízes do samba produzido no sul do Brasil, mais precisamente na capital dos gaúchos, Porto Alegre. Em seu livro “Memórias”, Geraldo do Cavaco, nome respeitado pela “velha guarda” do samba, conta o que viu, ouviu e sentiu em quase seis décadas de batucadas, a começar pela primeira experiência marcante com a música:
“Na vila, me apareceu um cara tocando bandolim, de noite e sem luz. Todos nós corremos pra perto daquele som, no escuro. Achávamos bonito, lindo, aquilo mexia comigo. O cara era chamado de canhoto e era bom no bandolim. Uma vez por semana o Canhoto aparecia com seu bandolim e mais um pandeiro. Ficávamos curtindo aquele som.”

                Não é exagero dizer que as recordações de Geraldo são as próprias recordações do samba porto-alegrense do final da década de sessenta em diante, com grande ênfase na fundação da agremiação carnavalesca Unidos da Restinga (que mais tarde tornaria-se na premiada e reconhecida Estado Maior da Restinga), na qual teve ativa participação. O autor é gente do povo, simples, sem avançados recursos lingüístico-intelecutais, mas que transmite com clareza as suas impressões de vida no vilarejo:
“Mas como, se lá era varzeio, não tinha esgoto e o terreno era plano e enchia d’água da chuva? Aí é que aparece a gana de um povo. Eles se unem e se ajudam e com alguns conhecimentos eles vão cavando ali, vão fazendo cisternas, pontes de madeiras, derrubando árvores, vão abrindo caminhos. Os pobres e os escravos conseguiram viver e sobreviver em lugares nunca habitados por um ser humano, a não ser os índios. Formaram vilas e foram vivendo bem. Acostumaram-se com a diversidade do lugar.”

              A leitura flui agradável e encontrará eco, principalmente, no coração dos sambistas e da gente batalhadora das favelas e periferias, que sabem o que é viver com pouco, precariamente, esquecida das políticas governamentais. De fato, como não poderia deixar de ser, é grande a identificação do livro com a vida no morro, onde mocinhos e bandidos apenas mudam de sotaque,  mas desempenham basicamente os mesmíssimos papéis em qualquer aglomerado urbano do país. Períodos históricos como a segunda guerra mundial e a ditadura militar encontram-se contempladas nessa narrativa que apresenta o ponto de vista não dos historiadores, mas do povo humilde que sentiu os efeitos desses conflitos em sua já sofrida rotina.
            É com grande mágoa que Geraldo relata o episódio em que, numa manobra, segundo ele, típica do regime militar, ditatorial, o presidente da primeira Escola de Samba do bairro, a Unidos da Restinga, é afastado de sua posição por funcionários da Prefeitura Municipal. Em seu lugar foi colocado outro, com o aval e confiança dos donos do poder. Isso aconteceu, para espanto e surpresa do músico, logo após o primeiro título conquistado, ainda na divisão  de acesso ao grupo principal. Essa decepção, aliás, volta e meia, em vários momentos, vêm pincelar as lembranças deste folião que, em dupla com o seu cavaco, muito contribuiu para a afirmação dessa comunidade entre as grandes do carnaval local.
“Passamos pro primeiro grupo, mas ficamos sem glória e ficou difícil para nos acostumar com os novos senhores, eles faziam questão de apresentar os novos contratados e vinham todos para o meio da quadra a rodear e iluminar os novos contratados. Nós, o povo, éramos os pobres de Paris, sem direito a nada.”

          Crítica, irreverência, paixão, decepção e religiosidade são os ingredientes que prendem a atenção do leitor, cativado pela espontaneidade do autor, que se expressa objetivamente, revelando-se um hábil cronista da realidade social em que vive. Pra quem ainda acredita que na favela só mora assaltante e traficante, Geraldo revela, sem acanhamento, toda a sua integridade, mesmo em meio a tentadoras oportunidades de lucro fácil. Conviver com o crime, não necessariamente tornará alguém um criminoso e isso comprova-se apenas com exemplos práticos como esse, proporcionado por um escritor ambientado na periferia de uma grande cidade. O seu testemunho de vida convida-nos, em nome da literatura, a despir-nos de preconceitos sociais que carregamos sem sabermos de fato o que é a pobreza.
           O instrumentista mostra-nos, no entanto, que nem só de miséria, privações e angústias vivem os favelados. Romance, humor e, principalmente, a música, são os responsáveis por atenuarem os efeitos degradantes da má distribuição de renda e disparidade entre as classes.
“Uma vez eu escrevi pra ela coisas, versos, poesia: Quisera não ter te conhecido, pois isto me tornou um prisioneiro em minha solidão... Meus pensamentos voam em tua direção... Eu me sentia, até te conhecer, livre...”

          A trilha sonora que embala, do início ao fim, essa autobiografia do escritor e músico porto-alegrense Geraldo da Neves é perceptivelmente a do samba. Samba bom, das antigas, com sentimento e autenticidade. Cheio de entusiasmo e nostalgia o autor relembra o auge e declínio dos principais conjuntos em que tocou, alguns deles com reconhecido prestígio na capital gaúcha como Candeias, Velha Guarda do Samba Puro e Banda Porto.
           Nitidamente, temos a sensação de estarmos conversando informalmente com um músico, já que a sua narrativa desenvolve-se inteiramente na primeira pessoa, fazendo-nos adentrar em fatos marcantes da sua vida pessoal. À medida que, cronologicamente, a história encaminha-se para o final, sentimo-nos íntimos e confidentes desse sambista remanescente do seu tempo. Álcool, brigas, contravenções, pitadas de sexo, misticismo, fé, tudo isso e mais aquilo que faz parte da vida de tantos pais de família que com suor batalham o pão de cada dia, seja sentando tijolo, capinando pátio, dirigindo ônibus ou pintando paredes. Considero-me um privilegiado por ter encontrado, no bairro que adotei em meu coração, um exemplo de artista tão eclético, (já ia esquecendo, Geraldo também pinta quadros nas horas vagas de aposentado) que se dispôs a compartilhar com as gerações posteriores, ingredientes que moldam o seu pensamento e ditaram á ele um modelo de conduta.
          Trata-se, enfim, de uma obra que se juntará, certamente, aos manuais e tratados que definem, se é que isso é possível, o samba em palavras. Já rimavam Vadico e Noel Rosa: “Batuque é um privilégio. Ninguém aprende samba no colégio.” Podemos, sim, esmiuçá-lo em versos, crônicas ou exemplos de vida como esse, que raramente oferecem-se assim, sem reservas. Os estudantes sinceros da Música Popular Brasileira agradecem o que está lá no sumário:
“ O motivo porque passei a escrever sobre minha existência foi pra relatar as lembranças de minha vida aos amigos, coisas boas e ruins que vivenciei ao longo dos anos e que gostaria de deixar registrado.”




                                                Cesar


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