A
solidária emissora radiofônica exibiu ainda, entre uma canção e outra, trechos
de uma entrevista gravada com Ângelo Breu onde desabafos singelos foram
extraídos pelo comunicador Bokão:
“... Olha
Bokão, é u siguinti, tudo isso qui fizeram cum a gênti um dia vai sê
discuberto... Um monte di fator contribuíram pra êssi tristi disfecho...Si a
nossa união tivesse tão forte como quando a gênti cumeçô nêssi troço, talvez
até déssi pra tocá u barco pra frente... Tinha muita gênti qui não tinha nada a
vê cum a banda botando pilha pru bagulho afundá, si fazendo di amiguinho,
intêndi? Eu não quero citá nomis, mas u irmão du Bira foi um dus qui mais si
encabrerô cum as ameaça... A pinta já tava tri indecisa... cum medo di não tê
ondi morá... di morrê di fômi... Pinto um isquema pra nós lá im Porto, só qui a
gênti tava duro... Nem u da passagem nós tinha... Si di repênti nós tivéssi
motivado mesmo, á fuzel, a gênti até batalhava junto uma grana, mas
infilizmenti as cabeça já não tavam mais alinhada nu objetivo, intêndi? A
viajem di cada um já era mais a mesma, pra sê mais exato... Agora só mi resta
pidí disculpa prus fã e pra todos aquelis qui acreditavam di alguma forma nu
nóssu trabalho... (Pausa) ... Snif, snif... Não adianta nada lamentá... foi bom
inquantu durô.”
Para aumentar a emotividade do
momento, neste exato instante da entrevista Bokão disparou como fundo musical a
canção ‘We are the champions” da banda britânica Queen, liberando de vez o
pranto do baixista Ângelo.
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Gelsinho
acabou canalizando a sua rebeldia para outra direção tão logo perdeu o emprego.
Nessa época acabou ele unindo-se ao idealista Teixeira na elaboração de concretas
ações de repúdio contra a política neoliberal do prefeito municipal.
Encontravam-se às quartas-feiras pela parte da tarde para traçarem com outros 9
companheiros alguns planos oposicionistas. Teixeira era, sem dúvida alguma, o
mentor, o líder, o cabeça da Brigada da Libertação Nortense, que possuía em seu
arsenal apenas armas artesanais como porretes, varas, pedaços de tábuas e
pedras. Reagiam bravamente aos ataques da Guarda Municipal, que mesmo com seu
material bélico arcaico (mosquetões, bacamartes e floretes) possuía um
contingente maior e bem mais adestrado para tais fins.
Contudo, em
algumas batalhas, como a travada às margens do Arroio Matão, a supremacia da
BLN no combate corpo á corpo fez-se evidente. Enquanto os guardas, dentro do
arroio refrescavam-se da enorme canícula que fazia, os rebeldes surgiram
inesperadamente do matagal para decidirem “no tapa” quem eram os mais fortes.
Dondinho Baiano, um dos membros da Brigada, havia ensinado a capoeira para seus
companheiros, o que tornava-lhes hábeis lutadores capazes de enfrentarem até 3
oponentes de uma só vez.
A
Revolução Réstia, denominação extraída da principal matéria prima da região, a
cebola, durou cerca de 2 anos, deixando um rastro de leucócitos e hemácias pelo
chão. Foi somente com a captura de Teixeira, graças a uma caguetagem interna,
que a ordem pública foi restabelecida em São José do Norte. A imprensa
manipulou a opinião popular em favor dos interesses executivos, rotulando a BLN
como um “mal social o qual
todos os cidadãos nortenses deveriam unirem-se para deceparem, num processo de
reestruturação da ética em que os detentores de possíveis informações não
deveriam omitirem-se”. A campanha
“anti-BLN” surtiu o efeito esperado naquelas mentes desprovidas de senso
crítico, fazendo o povo odiar os revolucionários.
- Víssi só as nutícia ônti? U repórter entrevistô uma moça
qui falô qui êlis passam u dia inteiro bebendo... São tudo uns pau d’água.
- Tem qui pegá essis vagabundo antis qui êlis mátim alguém... Tu viu só a hora qui mostraram a
matança qui aqueles lôku lá da Arábia fizeram? U Balvê Martins disse qui aqui
vai sê igual.
- Qui barbaridadi! Tomara qui peguem êlis duma vez... To cum
a minhas guria trancada im casa pra não corrê perigo.
Durante a
revolução Teixeira enviou diversas notas de esclarecimento à comunidade para a
divulgação através da imprensa, contudo, nenhuma delas foi integralmente
reproduzida. Apenas alguns trechos adulterados foram usados para corroborarem o
universo de calúnias que pairava no ar e que visavam destruí-lo moralmente.
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Airton
Clêncio Kurts de Braz Teixeira, visivelmente desgastado com a estressante
rotina das batalhas começou a perder o equilíbrio. Dormia apenas 4 horas por
dia, sem tempo para exercitar as reflexões que haviam durante tanto tempo
amordaçado a sua natureza inferior. Inicialmente mostrou-se sutilmente
agressivo com o cão Asko, um velho vira-latas marrom e gordo que cuidava a
retaguarda do QG. Logo após a irritabilidade refletiu-se nas relações pessoais,
fazendo-o com perigosa freqüência perder a calma com os companheiros, não
admitindo qualquer sinal de contestação. Esta macabra transformação provocou a
deserção de dois militantes, ocasionando uma divisão na estrutura da
corporação. Os que ficaram puderam constatar definitivamente que Teixeira já
não era mais o mesmo. Um autoritarismo vigoroso aflorou em sua conduta,
fazendo-o perder o controle da situação que provocara. Começava ali a
desenhar-se o desfecho daquela guerrilha.
Vítima de
seus próprios conflitos pessoais acabou provocando a queda de seu nobre ideal.
Até onde pôde, resistiu bravamente à repressão violenta do prefeito,
enfrentando de igual pra igual às tropas municipais que queriam à força apagar
aquela idéia revolucionária. Numa ação conjunta com o Exército e a Polícia
Civil a Guarda Municipal finalmente deu o bote certeiro, capturando os
rebeldes. Somente Teixeira conseguiu escapar por uma passagem secreta nos
fundos do seu quintal, no entanto foi perseguido pelos cães farejadores e
dominado a 2 km dali, perto de um açude. Acabava ali a mais ousada manifestação
da força popular idealizada naquelas bandas. Teixeira foi internado em um
hospital psiquiátrico de Rio Grande onde aos poucos foi readquirindo o juízo.
Porém Adinelson Bulhões tomou as providências necessárias para mantê-lo
trancafiado naquele lugar, do outro lado do canal. Os demais membros da BLN
foram mandados para exílios nas mais diversas localidades vizinhas.
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Enfim tudo
voltou ao normal. Fofocas, intrigas, televisão, futebol, festas e nada mais.
Apesar disso uma semente ficou plantada e no tempo certo aparecerá alguém que
dará continuidade à luta de Teixeira, Gelsinho e outros tantos. Provavelmente,
num futuro distante, virarão eles nomes de praças e logradouros deste município
que como tantos outros faz questão de manter os seus verdadeiros mártires bem
longe do mundo dos vivos, tão ativos quanto estátuas de bronze.
FIM