A questão do leite é um assunto bem delicado. A dieta vegan, entre
outras, rejeita terminantemente. Leite para eles só de soja. Já para os
devotos, o leite da vaca é muito apreciado. Para começar, Krishna é o
vaqueirinho transcendental. Na primeira infância, Krishna era chamado de
makhan-cora, o ladrãozinho de manteiga; o leite é chamado nas
escrituras de “religião líquida”; o ghi é o elemento indispensável para o
ritual de sacrifício de fogo, agni-hotra; a vaquinha kamadhenu pode
suprir quantidades ilimitadas de leite; o elixir da imortalidade,
soma-rasa, surgiu da agitação do oceano de leite. São muitas histórias
da cultura védica relacionadas com o leite. Além disso, é dito que um
copo de leite quente ao dormir produz um efeito que nenhum outro alimento
produz: alimenta as células da área cerebral que lida com assuntos
espirituais.
Na cultura védica, a vaca e o boi são os animais mais
próximos à sociedade humana. A convivência entre esses animais e o homem
é completamente natural e harmoniosa. Contudo, em nossa sociedade
moderna, eles perderam essa posição para a classe canina, que funciona
como expansão do ego da pessoa.
Mamãe Vaca
O leite é uma dádiva especial de uma de nossas mães, a vaca.
Esse é o status da vaca na cultura védica. Assim como a mãe biológica
amamenta o bebê com leite materno, a vaca também fornece seu leite para a
sociedade humana. É dito por alguns opositores do consumo de leite que
tirar o leite da vaca seria um ato desumano, que o leite pertence ao
bezerro e não se deixa praticamente nada para ele. Isso certamente pode
ser que ocorra entre pessoas muito gananciosas e materialistas e deve
ser repudiado. Uma vez li que em fazendas produtoras de leite nos
Estados Unidos, vacas que não produzissem mais do que trinta litros
diários eram mandadas ao matadouro, pois ficavam inviáveis
economicamente, devido ao alto custo das rações, hormônios e remédios
que eram investidos nelas. Sei também que vacas leiteiras da melhor
qualidade são usadas como reprodutoras. Assim que o feto começa a se
desenvolver em seu ventre, ele é retirado por meio de uma cesariana e
introduzido no ventre de outras vacas de menos raça que a mãe original.
Com isso o tempo da gravidez da vaca reprodutora diminui sensivelmente e
ela, ao invés de parir uma cria por ano, produzirá dez. Pode ser que
esse procedimento aumente os lucros do produtor, mas é o supra-sumo da
ganância, maldade e insensibilidade.
O que realmente acontece é que a vaca produz muito mais
leite do que o bezerro pode consumir. Se deixamos o bezerro beber todo o
leite diário que sua mãe produz, ele vai sofrer de diarréia. Por outro
lado, se não extraímos todo o leite do úbere da vaca, ela sofrerá e terá
problemas nas tetas. Dessa forma, o consumo de leite pela sociedade
humana é algo completamente natural. No lado masculino, o boi deve ser
empregado para atividades que exigem força, como tração e aração. Hoje
em dia, com a mecanização das atividades rurais, o boi perdeu sua função
para o trator. Só resta mesmo mandá-lo para o matadouro.
Durante a maternidade, a vaca produz e libera o leite devido
ao amor maternal. É indiscutivelmente um ato de amor. Quem lida com
esses animais no curral sabe que cada vaca tem uma personalidade e um
temperamento particular. Esses animais, apesar de enormes, são muito
sensíveis e relacionam-se perfeitamente com os seres humanos. Já tenho
presenciado coisas impressionantes: vi, por exemplo, numa fazenda do
movimento, uma vaca que por oito anos fornecia leite sem ter crias. Ele
vivia tão feliz que seu leite nunca parava de ser produzido e assim ela
podia satisfazer a muita gente.
Terapia da Vaca
Um argumento bem conclusivo que diferencia a classe bovina
dos outros animais é o fato de que o seu excremento ao invés de ser
nojento e repugnante como todos os animais, humanos incluídos, pode ser
manuseado e é dito que tem, inclusive, propriedades anticépticas. Nas
zonas rurais na Índia, é comum espalhar o esterco do gado pelo chão e
paredes. Outra prática comum é amassar o esterco e formar umas
“bolachas” achatadas, que são secadas ao sol e usadas como material
combustível para a cozinha. Diz-se que produz a melhor chama para se
cozinhar.
Na Índia conhece-se bem as propriedades terapêuticas dos
derivados lácteos. Tanto o leite e derivados, como o iogurte, quanto o
esterco e a urina da vaca tem poderosos efeitos terapêuticos. O ghi,
então, pode fazer milagres. Qualquer raça bovina produz o ghi, que é
usado na culinária e na medicina. Mas, existe uma raça específica que
produz o ghi mais poderoso. São as vacas branquinhas de Vrindavana, um
tipo de raça nerole. Essas vacas dão pouco leite e ainda por cima ralo.
Mas o ghi produzido desse leite tem um valor terapêutico tremendo. O ghi
quanto mais velho mais ativo. Pode ficar enterrado por dez anos ou mais
e assim seu poder terapêutico será mais ativo.
Um dos argumentos contra o leite é que ele produz mucos. Por
isso, não se deve tomar frio e, mesmo quente, deve ser tomado em
pequenas quantidades. Para neutralizarmos a tendência de produzir mucos,
deve-se acrescentar o tumeric ou cúrcuma em pó, que tem coloração
amarela. Aqui no Brasil é chamado de açafrão.
O uso do leite deve ser bem moderado. É um alimento forte e,
em excesso, trará distúrbios ao organismo. O queijo consumido em
excesso faz os mesmos estragos ao organismo que a carne. Tenho
presenciado lacto-vegetarianos promovendo verdadeiras orgias de queijos.
Pode ser que seja um festival para a língua, mas força muito o aparelho
digestivo e produz ama, resíduos não digeridos que apodrecem dentro do
organismo.
Leite Industrializado
Uma coisa que concordamos cem por cento com o pessoal vegan é
que o leite industrializado é de péssima qualidade. Primeiro porque,
como todo alimento industrializado, possui conservantes químicos que
definitivamente devem ser evitados o mais possível. Segundo porque as
vacas, para que suas produções sejam aumentadas, são tratadas com
produtos químicos (hormônios, remédios anti-bernes e carrapatos, e
outros produtos da industria veterinária) e com rações que contém
produtos muito duvidosos para a saúde dos animais. O maior escândalo que
o mundo assistiu recentemente foi epidemia das “vacas loucas”, causada
pelo uso de rações que eram recheadas com sangue e ossos dos animais já
abatidos. A Natureza naturalmente rebelou-se contra esses abusos. Um
vaqueiro de uma fazenda próxima à nossa, em Paraty, falou da seguinte
maneira a um devoto que comentou que o animais estavam muito bonitos:
“Tenho pena de que vai comer a carne desses animais, pois três vezes por
semana injetamos neles uma quantidade de veneno para bernes e
carrapatos porque assim o couro fica lisinho e vale mais.”
Além desse aspecto mais físico, existe as implicações mais
sutis. O leite industrializado é um sub-produto da matança de animais.
Isso porque o valor que as cooperativas de leite pagam ao produtor é
muito baixo, de modo que o preço final ao consumidor seja compatível ao
bolso das classes menos favorecidas. Ninguém sobrevive comercialmente
somente com o leite. O lucro, então, vem de onde? Dos bezerros machos
que são mandados para a engorda e, posteriormente, para o matadouro.
Isso implica em que o leite industrializado carrega esse karma embutido
nele.
Fonte: Purushatraya Swami em pt.krishna.com