O guri era medonho. Levado. Mexia em tudo que via. Os pais, faça-se a
justiça, tentavam impor autoridade, mas as reprimendas, naquele ouvidinho,
entravam por um lado e saíam pelo outro. Dizer à ele: Não mexe nesse botãozinho aqui, tá? ... equivalia à um
convite pro rapazinho, assim que possível, apertá-lo. Pedir pra ele não desfolhar mais a planta que o papai
plantô no canteiro, era como convidá-lo a destruí-la sem piedade.
Lembrá-lo que o cãozinho da casa é
amigo e não é pra batê nele, apenas encorajava-o a, longe dos holofotes,
descer o cacete no animal.
Na
rua e na casa dos outros, então, nem se fala... Passava a mão em tudo o que a
curiosidade infantil queria. Aproveitava-se da hospitalidade e tolerância
próprias dos anfitriões para disparar alarme, meter palito em fechadura,
despejar terra em aquário, arrancar etiqueta de calça na loja, derrubar
prateleira de conservas no mini-mercado e outros tantos abusos que aqui não
caberiam.
Dêxa
ele... É criança e tem que brincá... Era dessa forma que a autoridade do pai e da mãe era jogada por terra
quando, em casa alheia, esforçavam-se para reprimir o ímpeto mexilão do guri.
Bater nele também não adiantava muito, principalmente quando o safanão partia
da mãe. Os tapinhas e beliscões da genitora faziam-no debochar dela e da sua
falta de vigor. O pai ele até que ouvia, mas simplesmente mudava o foco de suas
investidas e, por exemplo, se Alfeu gritasse pra ele parar de jogar pedra no
carro ele até obedecia, mas se mandava
pra torneira da frente, ligava ela sem autorização e embarrava os pés na lama.
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Lebres
são animais solitários e possuem hábitos noturnos. Durante o dia dormem numa
toca forrada de capim, acordando apenas ao anoitecer e antes de abandonar o seu
abrigo, investiga o ambiente ao redor. Apenas após certificar-se de que não há
perigo por perto, aventura-se a sair em busca de alimento. Sua alimentação
consiste, basicamente, de partes verdes das plantas e nabo. É muito confundida
com o coelho e embora as diferenças entre esses dois animais sejam evidentes, a
mais notável diz respeito aos membros posteriores. Enquanto na lebre são bem
mais longos que os anteriores, no coelho ambos membros possuem o mesmo
comprimento. Esta característica, aliada a um corpo musculoso faz da lebre um
corredor muito ágil e resistente.
A
gestação da lebre dura em torno de 40 dias. A fêmea dá a luz de um a cinco
filhotes, em um ambiente tranqüilo e abrigado. Os cuidados maternais limitam-se
a amamentação, que em geral acontece a noite. Durante o dia, os filhotes ficam
sozinhos. Estes, ao contrário dos filhotes de coelho, que nascem de olhos
fechados e sem pêlos, nascem cobertos de pêlos e olhos bem abertos. Pouco tempo
após o nascimento já conseguem andar sozinhos.
(infoescola.com)
(vista.se.com)
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Já um
pouco mais crescido, o guri, que alguns anos antes, em companhia do primo, havia enterrado, meio viva, uma esquelética e adoentada filhote de pastor
alemão, certo dia foi com alguns coleguinhas de rua conhecer o que era de fato caçá lebre no morro. Naquela manhã
de sol forte, eram quatro homenzinhos, dois deles segurando compridos
cassetetes de madeira em mãos, andando a passos decididos, firmes, em direção
ao Morro da Embratel, que naquela época era um criadouro natural e a céu aberto
de lebres em Porto Alegre.
Entre
tantas diversões e passatempos da gurizada da periferia, a caça da lebre a
pauladas era apenas mais uma. O único novato no excitado grupo era exatamente
ele, o filho primogênito de Alfeu, guarda municipal e Cinara, caixa operadora
da Mercearia Tavares, estabelecimento comercial tradicionalmente bem abastecido
pelos legumes, hortaliças frescas e suculentas frutas da Vila Nova. O guri,
havia algum tempo, andava com a curiosidade obstinadamente aguçada sobre como
se pegava uma lebre de jeito.
Todos ali, menos ele, sabiam exatamente o que fazer e acontecer quando o
assunto era, sorrateiramente, descer o sarrafo na cabeça do assustado orelhudo.
Ás vezes era preciso correr muito, pois o bicho desviava da primeira paulada e
saía em carreira pela encosta daquele morro coberto de vegetação ainda nativa.
Foi isso o que acabou acontecendo logo
na estréia dele como auxiliar de caçador lebreiro. O coleguinha golpeou apenas o
ar, quando tentou sem sucesso esfacelar o crânio da Lepus europaeus e tão logo
esta recompôs a postura de exímia velocista, largou em disparada rumo à vida, a
salvação, ao sossego de viver em paz. Eram, no entanto, mais fortes e
persistentes aqueles que queriam o seu fim. A lebre parecia disposta a não se
deixar alcançar novamente, pois carregava em si um segredo que, principalmente
as mulheres devem entender bem. Quando, novamente acuada, dessa vez entre duas
grandes rochas, sentiu que o fim, prematuramente para os seus, aproximava-se,
tentou despertar a compaixão alheia para o seu drama. Emitiu um alto grunhido, que
melancolicamente lembrava choro de criança. A semelhança com o lamento de um
bebê foi tanta que as pernas do guri bambearam feito vara de bambu no taquaral,
ali, em plena emboscada. Os olinhos da criatura, da mesma forma, fitavam-o numa
última exortação a piedade. Já as orelinhas, murcharam em sinal de submissão e
fraqueza frente á inimigos tão implacáveis.
Nada,
entretanto, conseguiria naquele instante refrear a inabalável resolução que
insuflava o organizado grupo e na segunda vez a paulada foi certeira. Não
adiantou nem mesmo confidenciar seu íntimo e mais caro segredo às portas da
morte. Mais tarde, quando com uma afiada faca de serra cortavam eles a barriga
da fêmea de quatro patas para arrancar-lhe o couro, encontraram quatro
filhotes, todos ainda vivos, mexendo-se. Em consideração e respeito à raça
humana, principalmente às crianças, que agem de tal forma por impulso e sem
maldade ainda consolidada na alma, abstenho-me de relatar os pormenores do que lamentavelmente ocorreu em seguida e encerro pontualmente aqui mais uma narrativa
escrita e baseada em fatos da vida real.
Cesar