Quando os europeus, grandes conhecedores da arte
naquela época, viram os trabalhos artísticos feitos pelos africanos, os
primeiros habitantes do planeta (segundo a própria Arqueologia), eles
entenderam que o conhecimento que tinham, na verdade, não podia ser comparado
aquelas obras reproduzidas com habilidade, por mãos de homens e mulheres
nativos de um continente tão distante.
O
africano pode ser considerado uma soma de riquezas vindas diretamente da
natureza e sua manifestação artística era uma reprodução do que eles
enxergavam, suas visões sobre o mundo. Afirmo, no entanto, que o africano é
semelhante a uma jóia rara que foi ricamente lapidada.
Para a surpresa de outras civilizações,
os africanos já sabiam, há séculos, entalhar em madeira, esculpir e pintar
telas. Os Yorùbás e os Hauças, por exemplo, ficaram conhecidos por serem
grandes artesãos e tintureiros. Suas obras, que retratavam a ligação que tinham
com as divindades, estão permanentemente expostas em museus da França. Vale
dizer que até o final do século XVIII a produção artística oriunda da África
foi excluída da história da arte ocidental. Somente á partir do século XIX a Europa veio a reconhecer o valor das
manifestações criativas e habilidades destes povos ainda desconhecidos com quem
começavam a ter os primeiros contatos.
Os
primeiros estudos e referências sobre a produção artística no continente
africano começaram com Leo Frobenius, nos anos 30. Seus relatos reconheciam a
existência de uma exuberante civilização, contrapondo-se a visão europeia
daquela época, que afirmava ser a África um continente de bárbaros. Os europeus
só sabiam daquele pedaço de chão e seus habitantes, aquilo que lhes
interessava, pelo ângulo do comércio de escravos. Os saberes históricos,
antropológicos e etnológicos falseavam as perspectivas em favor de uma
concepção eurocêntrica (Europa como centro do mundo), elaborada na época auge
da hegemonia europeia. Essa concepção foi introduzida nas colônias através dos
sistemas educacionais implantados pelos colonialistas.
No
início do século XX os historiadores da arte, etnólogos e especialistas em
estética começaram a se interessar pela arte negra. Foi apenas a partir dessa
década que surgiu então uma outra reflexão deles sobre a arte africana.
Respeitada finalmente, a produção artística deles foi submetidas ás leis gerais
da economia: oferta e procura. Os salões e exposições de arte, é fato, buscam
equilibrar esses dois elementos.
Surgiu no referido período, um novo modismo, inspirado no interesse pela
arte negra. Muitos artistas europeus, na verdade, já conheciam o que era feito
na África antes mesmo das obras chegarem a famosos espaços como galerias de
arte em Paris e Londres. Máscaras da Costa do Marfim, estatuetas do Benin e
figuras esculpidas em marfim chamaram a atenção de artistas como Maurice de
Vlamink, Henri Matisse, Pablo Picasso e André Derain. O encontro da arte
européia com a africana, esse intercâmbio, gerou um enriquecimento ainda maior
na produção feita por lá, no outro lado
do oceano. Mesmo assim, é importante afirmar que nunca foi necessário o
africano receber influência ou instrução
de
outro povo para lapidar aquilo que
criava. Algo que acabou despertando atenção para essa realidade foi a
descoberta e crescente interesse por jazidas de metais preciosos, é claro,
motivado por interesses econômicos, atividade essa principalmente dos ingleses.
Tudo para eles girava em torno de especulação e lucro.
No
ano de 1897 foram tiradas da África obras fundidas em bronze, encontradas em
Benin. Foram levadas pelo ingleses à Europa e nunca mais foram devolvidas aos
seus criadores. Inúmeras observações absurdas foram feitas, entre estas, que os africanos aprenderam o que sabiam com os
colonizadores e que estes teriam ensinado a manusear o ouro e o ferro.
Disseram também que toda a arte feita na
África era oriunda da India. Outra vertente dizia que fora transmitida por árabes e que eles passaram a técnica para os
negros. Os europeus não conseguiram aceitar que aquelas pessoas de pele
escura nasciam já religiosos, eram a primeira raça a habitar na Terra e que nos
primórdios, suas obras eram talhadas como representação das suas divindades. É
um absurdo dizer e defender a idéia de que os
africanos tiveram que aguardar a chegada dos europeus em seus territórios para
aprenderem a confeccionar tambores com técnicas melhores, não mais de maneira
rudimentar, como já faziam.
Os achados de Ifé e de Nok, civilizações
que floresceram há muitos séculos antes do desembarque dos europeus,
comprovaram a grandeza e a originalidade da produção artística feita por lá,
bem como o alto nível cultural que tinham. Esculturas bambara ou bonecas da fertilidade
(tyi-wara), Senufo ou bancos, assentos, imagens totênicas, degon, ou figuras
antropomórficas dos ancestrais, todas haviam sido feitas por povos que viviam
na costa ou na selva atlântica. Bigajós, também figuras de ancestrais, vaca bruta,
representações de crianças, adultos e idosos, barcos e pinturas murais na
parede das habitações, figuras ligadas a fertilidade na terra Kyssy, estatuetas
de pedra, tudo isso veio do Golfo da Guiné. Os baulés (esculturas negras, agni
cerâmica, assentos e bancos sacralizados) os Ashantis (máscaras em ouro e
figuras ancestrais), e Yorùbá (tecelagem),
pesos em ouro e peças em marfim, confeccionadas por grupos que viviam na região
da floresta ocidental do Congo, de Angola, Gabão e Camarões (povo Banto). Falo ainda
de outras peças como o há bambum (troncos cobertos de pérolas e conchas),
Dualas, canoas e cachimbos), Fang (cabeças bustos e figuras ancestrais), Bakota
(objetos para rituais funerários), Bakudas (figuras reais), cilindros de
adivinhação e peças em relevo, tudo isso produzido nas regiões sul e oriental
africanas, expressões do grupo étnico conhecido como maconde, do Moçambique.
Aos
interessados, as obras e esculturas aqui listadas estão em exposição permanente
nos Museu do Homem, em Paris, França.
Fonte: Texto de Gercy Ribeiro, o mestre Cica de Òyó, no livro "Negras Palavras Gaúchas" edição 2013- Editora Evangraf.