Pra mim, que já havia lido Hemingway em outra oportunidade e
não havia ficado assim tão entusiasmado, “O velho e o mar” acabou sendo grata
surpresa. A familiaridade desse autor com o modo de vida e paisagens litorâneas
é uma marcante característica que permeia inteiramente o livro desse escritor norte-americano,
aproximando-o de leitores “praieiros”, amantes da brisa marítima, areia quente
e da imensidão de água salgada, estendida como tapete, horizonte à dentro. Sou
natural de uma cidade carinhosamente apelidada de “Noiva do Mar”, por isso me
sinto à vontade pra escrever sobre esse assunto, guardadas, é claro, as devidas
proporções. A temática remete-nos a
mistério, autorreflexão e solidão,
tudo que raramente se encontra no dia-dia urbano. Talvez por isso, tantos
sintam-se atraídos pelas ondas do mar, seja presencialmente, seja na pena do
poeta ou romancista. “Navegar é preciso”, como forma de afastar o stress, que
tantas vítimas faz. Mergulhemos juntos nessa narrativa impregnada de maresia.
Somente um
narrador familiarizado com a realidade fria de se estar só, é o que deduzo, conseguiria escrever uma
obra como essa. O velho pescador, protagonista da trama, preenche a esmagadora
maioria das páginas do livro num monólogo sincero e espontâneo sobre o seu
papel no mundo. As suas reflexões são carregadas de melancolia e vergam-se ao
peso dos anos. Apesar do raciocínio ainda rápido, exigido pela profissão, o
corpo já não é o mesmo e isso lhe impõe sérias restrições que contribuem
decisivamente em sua sorte final.
Santiago é
um velho homem do mar, acostumado a protagonizar no passado grandes façanhas no
disputado mundo da pesca, onde a experiência trazida pelo tempo garante, em
parte, o sucesso.
“O velho pescador era magro e seco e tinha a parte posterior
do pescoço vincada de profundas rugas. As manchas escuras que os raios de sol
produzem sempre nos mares tropicais, enchiam-lhe o rosto, estendendo-se ao
longo dos braços, e suas mãos estavam cobertas de cicatrizes fundas que haviam
sido causadas pela fricção das linhas ásperas
enganchadas em pesados e enormes peixes. Mas nenhumas dessas cicatrizes
era recente.
Tudo o que nele existia era velho, com exceção dos olhos que
eram da cor do mar, alegres e indomáveis.”
É um livro
que, essencialmente, como já ressaltei, discorre sobre a solidão. Não fossem os
diálogos com Manolim, o rapaz, seu fiel ajudante, seria inteiramente escrito em
forma de monólogo. Mesmo assim, o jovem só aparece no início e bem ao final da
narrativa, desenvolvida em torno do velho sozinho, em alto mar, na sua canoa,
ás voltas com peixes, tubarões e andorinhas. Santiago lança-se, sem qualquer parceiro, em sua
pequena embarcação, querendo provar a si mesmo que não estava ultrapassado,
conforme andavam especulando os seus colegas de ofício. A sua sorte com o
anzol, isso era fato, andava escassa e as últimas tentativas de fisgada haviam
sido, todas, em vão. Parte, equipado com
todos os apetrechos de um profissional, disposto a recuperar o prestígio e
confiança de décadas atrás.
“O que acontece é que
acabou a minha sorte. Mas Quem sabe? Talvez hoje. Cada dia é um novo dia. É
melhor ter sorte. Mas eu prefiro fazer as coisas sempre bem. Então se a sorte
me sorrir, estou preparado.”
Dispensa a companhia do rapaz, que
solicitamente providencia toda a logística necessária pra sua batalha pessoal e
de sobrevivência. O inesperado acaba acontecendo e aquilo que deveria ser um
dia de pescaria, acaba arrastando-se a uma maratona marítima de três dias. O
velho, após frustradas tentativas, acaba fisgando um enorme peixe, que com sua
descomunal força, preso ao anzol e linha, arrasta-o à direção incerta, para um
passeio mar á dentro. Santiago, conhecedor dos segredos e estatutos da pesca, é
paciente e espera o gigante de escamas se cansar, o que acaba levando mais de
um dia. Quando a oportunidade, por fim, aparece, com o bicho já exausto, ele é
certeiro, cravando mortalmente no peitoral dele o arpão que trouxera consigo.
Amarra- o, em ato contínuo, à canoa e vai conduzindo o enorme corpo flutuante
de aproximadamente quinhentos quilos em direção à costa.
Quando a história parece se
encaminhar pra um final feliz, com o triunfo do velho pescador desembarcando no
vilarejo com seu mega prêmio, tubarões começam a aparecer pra estragar a festa.
Ávidos por carne, alternadamente, os predadores marinhos vão abocanhando aquilo
que estava destinado tão somente a mesas humanas. O sangue vertido do volumoso
ferimento feito pelo arpão, espalhado na água, acaba sendo um convite. O idoso
pescador, bravamente, bem que tenta resistir-lhes, mas lhe faltam forças e
armas adequadas. Chegando finalmente à praia, o que resta é tão somente uma
carcaça seca presa á canoa. Exausto, fraco, dolorido, ferido nas mãos pela
linha de pesca, mal consegue ele arrastar-se á sua cabana. Recebe os cuidados
do jovem amigo, Manolim, dorme e, de uma forma não muito clara deparamo-nos com
o final. A última ilustração do livro é quem dá o desfecho inequívoco do que,
de fato, aconteceu, mas isso não vou ser eu quem vai contar-lhes.
A obra me conquistou pela
simplicidade do enredo e fluidez do texto, típica de um escritor jornalista com
o foi Heningway. Tudo é real, familiar e direto ao ponto. O único enigma surge
justamente no desfecho e força-nos a reler os parágrafos finais pra tentar
entende-lo.
O autor, segundo consta, se despediu
da vida de uma forma um pouco trágica, mas deixou um legado escrito que merece
o maior respeito de todos nós. Faço desta uma ótima sugestão pra se ler em
férias, durante a viagem.