O assunto por aqui, ainda que de forma indireta,
continua sendo a nossa histórica enchente. Acontece que a sede da empresa de
tecnologia responsável pela criação de sistemas, manutenção do banco de dados e suporte na informática dos órgãos públicos do Estado, ficou totalmente alagada. Isso
obrigou-lhes a desligar a energia elétrica , pra não comprometer os
equipamentos que transmitem o sinal de intranet e eu, que dependo 95% dessa
conexão de rede pra desempenhar minhas tarefas, encontro-me praticamente de
mãos atadas durante o horário de expediente nesses últimos dias. Pra aproveitar de maneira produtiva essas
horas de ócio, fiz visitas mais frequentes à biblioteca que temos no trabalho,
resultando em duas obras lidas em duas semanas, o que pra mim pode ser
considerado um recorde mundial. Começo aqui a dar algumas breves pinceladas
daquilo que, aleatoriamente, escolhi nas estantes.
O
primeiro livro, de poucas páginas, é de um autor daqui do sul, Arnaldo Campos,
numa bem-humorada narrativa ambientalizada nos tempos da ditadura militar aqui
no país, coincidentemente, pelas ruas de Porto Alegre. “Réquiem para um
burocrata”, como o próprio título antevê, narra o drama de um funcionário
público que lida com papel e burocracia, o que de imediato me fez identificar-me,
numa segunda coincidência, com o protagonista.
Argemiro, sem imaginar, levado por um colega, participa de uma reunião
com membros do Partido Comunista e a partir de então vê-se às voltas com
retaliações no ambiente de trabalho, atormentando-se com a possibilidade
eminente de perder o emprego. O autor focaliza, com profusão e bom humor, as
crises de consciência e temores que surgem na mente de alguém, às vésperas de
se aposentar, até então acomodado as circunstâncias. Desempenhara,
exemplarmente, a sua função pública na repartição, sem maiores ambições,
tranquilo quanto ao futuro. A sua vida, no entanto, passa a ser um verdadeiro
tormento após receber uma intimação para depor perante uma comissão de
militares. O pavor se reflete principalmente no ambiente doméstico, em sua relação com esposa
e filhas. A narrativa centra-se nos dias que antecedem a tão temida inquirição
com os agentes da ditadura.
Curiosa e irônica acaba sendo a sua intensa relação com a já falecida
cadela de estimação Princesa, evocada constantemente, com doce nostalgia, em
suas lembranças. Ao final da história, já fora de si, num melancólico desfecho,
o homem surpreende o leitor, numa última
expressão desordenada de angústia.