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sábado, 26 de outubro de 2024

Porã

 


            Mais uma vez, por motivo de força maior, pra matar a ociosidade que provoca a falta de energia elétrica, consegui iniciar e concluir a leitura de mais um livro pro meu currículo. Fortes ventanias aqui no sul do país deixaram grande parte das cidades gaúchas sem luz e mais uma vez esse Servidor Público ficou praticamente todo o expediente sem ter o que fazer.

     "Porã", de Antônio Hohlfeldt, é um livro bem fino, de pouquíssimas páginas, mas que transmite uma mensagem sobre o preconceito de pele, fazendo-me refletir que, não necessariamente, é preciso escrever uma obra extensa, épica, pra mergulharmos fundo na alma do leitor.  A obra narra o primeiro dia letivo de uma criança indígena numa escola da cidade. Começa e termina indo direto ao ponto da discriminação racial, apontando culpados, consequências e heróis.


" Porque a professora tinha feito aquilo comigo? Eu sempre tive muito orgulho de me chamar Porã. A mãe tinha me dito que Porã era o nome de um avô do avô do meu avô, que era muito valente, e que por isso eu devia respeitar aquele nome e ter orgulho dele. E eu tinha muito respeito e levava aquele nome com muito orgulho. Por essa razão, não liguei muito quando aos pessoas da cidade me deram outro nome, "tu agora vais te chamar Pedro", me disseram.

Porque eu era Porã e, mesmo que quisessem juntar os dois, Pedro e Porã, ou Porã Pedro, eu era Porã, este nome era meu e isso me alegrava muito."


          O autor nos faz perceber a culpa individual que cada um de nós, pai ou mãe, pode carregar perpetuando esse sentimento tão equivocado e nocivo, que faz alguém menosprezar o outro tão somente pela cor da pele.


"... Se você prende uma árvore de uma maneira, ela vai crescer assim. Se você prendeu torta, ela vai crescer torta. Se você prendeu direito, ela vai crescer bonita. Se os pais destas crianças ensinaram que o índio não é gente, ou que nós somos vagabundos, elas só vão repetir o que ouviram dos adultos."


         Conforme dito, o livro é de poucos parágrafos, mas impregnado pelo aroma e colorido das matas caingangues ¹, mostrando uma triste realidade, mas ao mesmo tempo apontando à um caminho de superação individual pra lidar com a situação. É minha sugestão de leitura, recomendável pra quem precisa, como eu, entretenimento por breves instantes, até que luz volte, ou pra uma viagem de ônibus dentro da cidade, em dia de engarrafamento.


¹ Etnia indígena retratada na obra.




domingo, 20 de outubro de 2024

Grande Pajé- O conto

 


            Lorena recebeu do médico, exultante, a notícia de sua gravidez. Não conseguia esconder a alegria que transbordava em cada recando do seu ser. As esperanças que alimentara haviam sido finalmente recompensadas. Agora poderia terminar, com novo ânimo, as últimas peças do enxoval que bordara na certeza de um dia vesti-lo em seu próprio bebê. Ela, que sempre fora a calma e a tranquilidade em pessoa, agora atingira o ápice da felicidade. Teria. enfim, a única coisa que faltava em sua virtuosa vida. Tão logo saiu do consultório começou a vagar pelas ruas do centro da cidade, com vontade de anunciar bem alto a presença da nova vida que abrigava no ventre. Com um sorriso franco e aberto nos lábios, saudava toda e qualquer criatura viva por quem passava, sem distinguir sexo, idade, raça ou espécie. Tudo parecia ter um colorido novo e não havia naqueles momentos nenhum pensamento grande o suficiente para roubar dela a felicidade estampada em seu rosto. Andando distraidamente, olhou para o segundo andar de um repartição pública, onde um pomba-rola pousara num dos três mastros da fachada para fazer uma cuidadosa limpeza nas penas da asa direita. Lorena, naquele instante, chocou-se de frente com uma menina-moça que caminhava também meio desligada, enternecida por um cãozinho de rua que abanava o rabo sem receber dos transeuntes qualquer atenção. Ambas reagiram com bom humor diante da colisão. Enquanto ajudava a jovem a apanhar os cadernos e o diário pessoal que ela deixara cair no chão, a mulher de Hélio sentiu um familiaridade marcante naquele semblante. Convidou-a para tomarem juntas um refrescante suco de abacaxi na lanchonete da outra quadra, pois o calor estava escaldante. A princípio, Aline, um pouco encabulada, alegou um compromisso qualquer, tentando se esquivar da proposta, porém Lorena acabou convencendo-a com uma habilidade maternal. No desenrolar da animada conversa que tiveram naquele dia, descobriram o parentesco próximo que as unia. Na última vez que haviam se encontrado, Aline era ainda uma garotinha de seis anos de idade, por isso não tinha qualquer lembrança do convívio com aquela senhora à sua frente, sua tia. Algumas desavenças antigas haviam dividido a família e a discórdia estendera-se aos descendentes. Na realidade, esses últimos pouco sabiam da verdade sobre os fatos, mais ainda assim não "se davam". Lorena, contudo, recordava-se perfeitamente daquele rosto delicado, que conservava os mesmos traços meigos da infância.


Fonte: Trecho de "O Grande Pajé", conto-crônica que dá título ao meu 2º livro.

sábado, 12 de outubro de 2024

Crianças da Sepultura

 



            Por aqui, hoje, se comemora o Dia das Crianças, data especial, válida como reconhecimento ao papel que elas desempenham no mundo, tornando-o mais tolerável, doce e alegre. Minha homenagem em forma de versos vai não somente pros pequenos, mas pra minha banda favorita dos anos 70's, o Black Sabbath com seu som pesado, cheio de letras críticas e místicas.

        Parabéns e que Deus proteja à todas as crianças do mundo, pois elas são a semente de um novo tempo.



Revolução em suas mentes

As crianças começam a marchar

Contra o mundo em que tiveram que viver

E todo o ódio que há em seus corações

Elas estão cansadas de ser controladas

E mandadas

Elas lutarão contra o mundo até ganhar

E o amor esteja por todos os cantos

Crianças de amanhã vivem

Nas lágrimas que caem hoje

Trará o nascer do sol de amanhã

Paz para eles?

Deve o mundo viver

Na sombra do medo atômico?

Elas conseguem vencer a guerra pela paz

Ou irão desaparecer?


Então, vocês crianças do mundo

Ouçam o que eu digo

Se vocês querem um lugar melhor pra viver

Espalhem as palavras hoje

Mostre ao mundo que o amor

Ainda está vivo, vocês devem ser bravos

Ou vocês crianças de hoje serão

As crianças do túmulo.




 Letra de "Children of the Grave", canção do álbum "Master of Reality", da banda britânica e metaleira Black Sabbath.                                   



terça-feira, 1 de outubro de 2024

Uma crítica a democracia.

 


          A minha tolerância com o período eleitoral anda baixíssima, venho hoje confessar. É uma mesmice que dói os ouvidos e agride o intelecto. "Eu quero trabalhar pra ti e serei o teu representante na Câmara, meu número é 666..." Jingles de campanhas ridículos, promessas falsas, ataques pessoais, tudo isso imposto goela á baixo através dos meios de comunicação, em horário obrigatório, garantido por lei.

       Penso que a obrigatoriedade, tanto de votar, quanto de ouvir propaganda política fere contraditoriamente o princípio da democracia. É preciso preservar a liberdade individual de se mergulhar ou não nesse jogo, sem imposição em rádio e TV.

      Aqui em Porto Alegre provavelmente teremos 2º turno pra corrida à Prefeitura, por isso, até meados de novembro, encerrando por aqui meu choro, o negócio é resignação e esperança na mudança de dentro pra fora que deve partir de cada um de nós.

           E que vença o(a) menos pior.