CASEIROS
PARA TAMBO DE LEITE
EM
VIAMÃO
* Ordenha automática/ resfriador canalizado, 200 litros/dia – 15 vacas.
ELA:
Ordenhar manhã (05:30/07:30h) e tarde(16:30/18:30h), limpeza sala leite/ordenha,
comida aos cachorros e limpeza casa principal. Sal: R$ 400,00
ELE:
Trato, pastagens, trator e limpeza estábulo. Sal: R$ 600,00
Obs: Boa casa com
horta/galinhas, semi-mobiliada, água, luz e cesta básica.
Interessados contatar
com Sr. Enilson 436-2432 ou
8248-5104
Ele relutou bastante antes de
ligar. Foram necessárias varias conversas entre os dois para que, enfim, vencido
pelo cansaço e sem mais argumentos para se agarrar, Arthur tomasse a iniciativa.
Arthur tinha qualidades e talentos
incontestáveis, granjeando através deles muitas amizades. A sua conversação era
agradável, com bom senso de humor. Apesar dos quase quarenta anos, era um
mulato com dentes bem polidos, olhar vivaz e pele saudável. Combinava simpatia
com beleza, e isso naturalmente abria-lhe algumas portas. Havia algo nele,
contudo, que andava esgotando a paciência da sua mulher. Kleiva custara a
perceber uma triste mas estampada realidade: O rapaz não gostava de trabalhar.
O gelo, todos sabem, não foi feito
para o contato com o fogo, pois derrete-se e perde a sua forma característica.
A água, por sua vez, não nasceu para o óleo, pois se colocarmos ambos num copo
eles sequer se misturam. Se deixarmos de lado os estados físicos da matéria e o
mundo dos elementos químicos para adentrarmos no reino animal, veremos que da
mesma forma, algumas espécies repelem ou incompatibilizam-se com outros seres e/ou
ambientes. É o caso do peixe, que não nasceu para a grama ou para o chão de
saibro. Por outro lado, o bom ditado já diz: “Gato escaldado tem medo de água
fria” e dificilmente veremos o felino jogando-se por vontade própria num banho
de rio.
Arthur, conforme constatado e
comprovado de fato, não nascera para o trabalho. Fugia dele como o diabo da
cruz. Duas semanas antes de Kleiva colocá-lo contra a parede, insistindo com
aquela página dos classificados aberta diante dele, escutou ela um intrigante diálogo.
Naquele dia, ao final da tarde, receberam em casa a visita de Diogo, o vizinho
e cumpadre que batizara Úrsula, a nenê do casal. Tomaram chimarrão, falaram
sobre a última rodada do Gauchão e já no portão, quando a sós ficaram os dois
varões, houve uma proposta do visitante, pedreiro “de mão cheia” e sempre bem
requisitado para obras.
-- Ólha, to precisando di
servente pra erguê umas parede lá na Dona Eloá. Ela qué qui faça um quarto nos
fundo pru guri dela. Fiquei di passá lá amanhã cedo pra dá um orçamento pra
velha. Di tarde, si fizé tempo bom, já começo o serviço... Tá a fim di encará
essa?
-- Bah cara... É qui eu
ajudo a Kleiva a cuidá da guriazinha aqui em casa... agora fica ruim pra mim...
Ela ouviu tudo em silêncio, imóvel,
atrás da cortina na janela e guardou pra si a revelação. Na gíria, diria-se que
naquele exato instante, após tão forte sacudida, a ficha finalmente caiu.
A situação financeira deles era
preocupante e muito pouco promissora. Viviam de ranchos ofertados pela sogra de
Kleiva e ás vezes por sua própria mãe, que trazia compras ás escondidas do
marido, homem duro, que não admitia “sustentar vagabundo”. Pra piorar, Arthur
andava jurado de morte por traficantes e alertado pra si o olhar da polícia.
As ofertas de trabalho, isso ela
não ignorava, estavam escassas. Haviam vagas, mas só para pessoas qualificadas
com cursos e, principalmente, com experiência na função. Trabalhar num tambo,
porém, parecia ser a chance de ouro para os dois, que não tinham assim tanto
estudo. Além disso sairiam daquela vila onde o clima começava a ficar nebuloso.
A luz no fim do túnel havia brilhado de fato naquele anúncio.
Acabaram caindo nas graças do tal
Enilson, proprietário daquele rebanho leiteiro, residente na zona rural do
município de Viamão, à 10 km de Porto Alegre. Deixaram a pequena Úrsula com a
mãe de Arthur e partiram para aquela guinada em suas vidas.
O tambo abastecia armazéns e casas
das redondezas, dispondo de vasta freguesia e credibilidade. O rapaz em sua
primeira semana no emprego até que demonstrou algum empenho. Contudo, como de
costume, começou a achar desgastante aquela rotina de acordar cedo em pleno
inverno gaúcho. Seu Enilson, que simpatizara bastante com ele, ofereceu-lhe um
remanejamento de função. Foi transferido para um abatedouro do fazendeiro,
distante 2 km dali, onde lavaria sangue do chão e recolheria tripas, chifres,
pêlos e tudo que não era aproveitado pelo açougue. O novo horário da pegada, às
10:00 h da manhã, de imediato
lhe agradou. Dava para descansar um pouco mais na cama.
Observando, certa vez, a linha de
produção e abate da firma, deparou-se com um fato curioso que fez-lhe pensar
com seriedade. O abatedouro executava o chamado “abate humanitário”, onde os
animais são respeitados e vivem com dignidade todos os seus dias. Certa ocasião,
resolveu o rapaz assistir passo a passo,
como os bois e vacas eram tratados nos momentos finais de vida. Sentou-se
confortavelmente num banquinho, bem perto do corredor final ou mangueira, por
onde dois bois acabavam de passar, espetados pela lança do carneador. O da
frente, marrom de patas brancas, pêlo lustroso e ralo, foi golpeado na cabeça
por uma barra de ferro. Emitiu um longo mugido de dor. Apanhou ainda outras
vezes, sempre na região do crânio, e por fim dobrou os joelhos, tombando
pesadamente ao chão. O de trás, branco da raça zebu, brecou à 10m da linha de
abate com um olhar assombrado. Parecia nitidamente perceber o que lhe aguardava
logo à frente, sendo necessários vários gritos e algumas leves espetadas
humanitárias dos peões para fazê-lo prosseguir.
Arthur é hoje um convicto
trabalhador do tambo, parece resignado à sorte que teve ao lado da companheira
e não come mais carne de gado. Kleiva, por sua vez, pôde enfim agradecer e
pagar as promessas à sua Nossa Senhora das Causas Impossíveis. Seu homem
finalmente enveredou pela trilha do esforço e do suor para ganhar o pão. Úrsula
mora com eles no chalé de madeira cedido pelo Sr. Enilson, adaptando-se com
bastante rapidez à vida no campo.
Cesar