A
bizarrice máxima, proveniente daquela fonte, estava ainda por vir. Contrariando
os prognósticos transcritos ao início dessa narrativa, que fizeram alusão aos
tais vermezinhos que utilizam a cavidade anal humana como seu habitáculo, mas que
somem-se geralmente na idade adulta, Ítalo ainda sofria cronicamente de
Oxiuríase. O que mais causaria perplexidade em qualquer indivíduo dotado de
senso crítico era, no entanto, a escancarada realidade estampada frente a
gravidade dos fatos: O homem gostava daquela coceirinha. Negou-se, inclusive, a
tomar qualquer remédio ou fazer tratamento médico. Sentia incontrolável prazer
em coçar a bunda. Costumava trancar-se nos banheiros sob o pretexto de suprir
necessidades fisiológicas, porém, a necessidade maior que vinha sentindo, cada
vez mais, era coçar-se, coçar-se e coçar-se. A agradável sensação que muitos
sentem ao introduzir um cotonete no ouvido para limpá-lo, ele sentia ao
escrafunchar o orifício defecativo. Pegava um pequeno pedaço de papel
higiênico, enrolava-o ao dedo médio da mão esquerda e friccionava tenazmente as
paredes do ânus infestado. As vezes nem lavava as mãos e sentava-se em seguida
à mesa, para terminar de comer o churrasco ou algumas fatias de salame, hábito
anti-higiênico que acabava reinfestando o seu corpo com mais larvas do
Enterobus vermicularis. Soltava baixos gemidos quando entregava-se àquela
espécie de masturbação, o que foi despertando, em parentes e colegas que
escutaram-no por trás da porta, desconfianças múltiplas.
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Na noite daquele trinta de abril,
véspera do feriado alusivo ao Dia do Trabalho, a coceirinha atacou-lhe de uma
forma um pouco mais incisiva que das outras vezes. Aproveitando-se da ausência
da nega-velha, que fora passar o feriadão em Jaguarão, carregando consigo os
filhos do casal, abasteceu-se na locadora da esquina com oito fitas VHS pornôs,
comprou no Boteco do Zenir uma garrafa de Caninha 51, três limões, um lombo de
porco, uma tripa de mursilha branca e bastante torresmo. Passou a tarde daquele
30/04 comendo, bebendo, vendo filme e, é claro, de tempos em tempos, coçando o
rabo. Com a chegada do astro noturno, entretanto, por volta das vinte horas e
quinze minutos, o seu ânus palpitou de forma diferente, fazendo-lhe
sobressaltar-se e interromper a leitura da revista Playboy que segurava entre as mãos sujas. Disparou, como em outras milhares de vezes, ao banheiro, á fim
de averiguar a procedência do fato. Com um pouco mais de pressa, arrancou o já
tradicional pedaço de papel higiênico, fez com ele uma espécie de capa
protetora ao dedo, introduzindo a bucha no canal excretor. Conforme
desconfiara, dessa vez não era apenas uma mera coceira. Havia algo palpável
dentro daquelas paredes anais. A princípio, achou que poderiam ser fezes,
expelidas durante um de seus peidos e iniciou, lentamente, a retirada do corpo
estranho. A medida que ia puxando o troço com as mãos, percebeu que o seu
tamanho parecia não ter mais fim. Finalmente, quando invadido pela impaciência deu
um último e forte puxão pra fora, com pavor, conheceu cara à cara a causa do
seu infortúnio. Era um verme, do tamanho de uma minhoca grande, medindo uns 30
cm, aproximadamente, lambuzado por uma gosma escura e gordurenta, de odor
nauseante. Ítalo, instintivamente, já dominado pelo pavor, largou, com o pedaço
de papel higiênico e tudo, o gigante exemplar do Enterobus vermicularis no
chão. Para a sua triste surpresa, o tal animalzinho começou a ganhar
rapidamente tamanho, pondo-se em posição ereta, tal como uma cobra naja,
encarando-o frente à frente, com seus olhos acesos, faiscantes e cheio de uma
raiva insana. Percebeu o homem, com redobrado espanto, à essas alturas com os
óculos já totalmente embaçados, que pontiagudíssimos dentes caninos haviam
surgido na arcada dentária da criatura. Por outro lado, constatou o crescimento
exagerado das asas laterais (cefálicas) à esquerda e à direita da cabeça.
Talvez numa exibição de poder, o verme alçou-se aos ares, impulsionado pelas
referidas asas, pairando como um beija-flor macabro e assassino no teto do
banheiro. As pernas de Ítalo afrouxaram-se, o seu coração bateu
descompassadamente e o pavor, intensa e definitivamente, tomou conta do Panela
de Banha.
Aquilo que, aquelas alturas
tornara-se uma espécie de cobra voadora, passou a emitir silvos, da mesma forma
que o réptil:
--
SSSSSSSSSSSSSS! SSSSSSSSSSSSSS!
SSSSSSSSSSS!
Satisfeito com a própria demonstração
de força o monstruoso nematoide posicionou-se novamente no chão, em pé, desta
vez articulando num português surpreendentemente claro, injúrias, blasfêmias,
escárnios, insinuações e ofensas de toda espécie contra ele. Um ódio mortal e
implacável parecia insuflar-lhe por dentro e algo inevitável, sinistro,
encaminhava-se à acontecer naquele banheiro. O vigilante, que no fundo sempre
fora um covarde metido a valentão justiceiro, começou a gritar, alta e
desesperadamente, com todo o vigor vocal que tinha:
--
AAAAAAAAAAH! AAAAAAAAAAAAAAH! ME AJUDA! ALGUÉM AÍ! AAAAAAAAAAH! SEU HIDALGO!
DONA MÍRIAN! CELSO! Ô CELSÔ! POR FAVOR!
AAAAAAAAAAAH! ME AJÚDA PÔRRA! DEPRESSA! Ô CELSOOOOO!
Não adiantou absolutamente em nada.
Provavelmente, devido a Festa do Trabalhador, no Ginásio Municipal de Araçá,
quase ninguém estava em casa para acudir-lhe, e os poucos que estavam,
inexplicavelmente, não ouviram ou vieram prestar-lhe auxílio. O Enterobus
então, após xingar-lhe literalmente de tudo, avançou com seus dentes cortantes,
ferozmente, tal qual lobo enlouquecido, ao corpo obeso e rosado de Ítalo. Muito
sangue e banha respingaram nos azulejos da peça. O homem urrava com amargura à
cada nova dentada, tal qual um porco à hora do abate. Começou-lhe a faltar
respiração de tanto gritar, já que a dilacerante sensação de ter a pele arrancada,
as ligações internas de seus membros rompidas e os ossos partidos por aquelas
poderosas mandíbulas, não dava-lhe um instante de trégua.
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Acabou sendo, na mais pura
interpretação da expressão, comido vivo.
Só não foi inteiramente engolido porque escuras manchas de sangue permaneceram
tingindo o banheiro, do teto ao chão, numa prova incontestável da carnificina
que ali acontecera. Os pesados óculos jaziam numa poça de sangue próxima ao
lavatório, rachados e com as lentes quebradas. O já satisfeito verme, á essas
alturas um pouco diminuído de tamanho, introduziu-se ralo do vaso á dentro,
desaparecendo para sempre e sem deixar vestígios.
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