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domingo, 20 de outubro de 2024

Grande Pajé- O conto

 


            Lorena recebeu do médico, exultante, a notícia de sua gravidez. Não conseguia esconder a alegria que transbordava em cada recando do seu ser. As esperanças que alimentara haviam sido finalmente recompensadas. Agora poderia terminar, com novo ânimo, as últimas peças do enxoval que bordara na certeza de um dia vesti-lo em seu próprio bebê. Ela, que sempre fora a calma e a tranquilidade em pessoa, agora atingira o ápice da felicidade. Teria. enfim, a única coisa que faltava em sua virtuosa vida. Tão logo saiu do consultório começou a vagar pelas ruas do centro da cidade, com vontade de anunciar bem alto a presença da nova vida que abrigava no ventre. Com um sorriso franco e aberto nos lábios, saudava toda e qualquer criatura viva por quem passava, sem distinguir sexo, idade, raça ou espécie. Tudo parecia ter um colorido novo e não havia naqueles momentos nenhum pensamento grande o suficiente para roubar dela a felicidade estampada em seu rosto. Andando distraidamente, olhou para o segundo andar de um repartição pública, onde um pomba-rola pousara num dos três mastros da fachada para fazer uma cuidadosa limpeza nas penas da asa direita. Lorena, naquele instante, chocou-se de frente com uma menina-moça que caminhava também meio desligada, enternecida por um cãozinho de rua que abanava o rabo sem receber dos transeuntes qualquer atenção. Ambas reagiram com bom humor diante da colisão. Enquanto ajudava a jovem a apanhar os cadernos e o diário pessoal que ela deixara cair no chão, a mulher de Hélio sentiu um familiaridade marcante naquele semblante. Convidou-a para tomarem juntas um refrescante suco de abacaxi na lanchonete da outra quadra, pois o calor estava escaldante. A princípio, Aline, um pouco encabulada, alegou um compromisso qualquer, tentando se esquivar da proposta, porém Lorena acabou convencendo-a com uma habilidade maternal. No desenrolar da animada conversa que tiveram naquele dia, descobriram o parentesco próximo que as unia. Na última vez que haviam se encontrado, Aline era ainda uma garotinha de seis anos de idade, por isso não tinha qualquer lembrança do convívio com aquela senhora à sua frente, sua tia. Algumas desavenças antigas haviam dividido a família e a discórdia estendera-se aos descendentes. Na realidade, esses últimos pouco sabiam da verdade sobre os fatos, mais ainda assim não "se davam". Lorena, contudo, recordava-se perfeitamente daquele rosto delicado, que conservava os mesmos traços meigos da infância.


Fonte: Trecho de "O Grande Pajé", conto-crônica que dá título ao meu 2º livro.

3 comentários:

chica disse...

Que lindo e rico em detalhes que fazem a diferença, teu conto.
Fiquei curiosa poe mais...E que bom esse encontro acidental ,no qual as coisas se aclararam...Famíliaé assim... abraços, lindo domingo! chica

Mário Margaride disse...

Boa noite, caro amigo!
Belo conto aqui nos partilha. Muito bem elaborado e detalhado. Gostei de ler.
Muito obrigado, pela visita e gentil comentário no meu cantinho.
Aproveito para desejar uma feliz semana com tudo de bom.
Abraço!

Mário Margaride

http://poesiaaquiesta.blogspot.com
https://soltaastuaspalavras.blogspot.com

Graça Pires disse...

A sua expressão narrativa é muito boa. Gostei do que li. Que o seu livro faça um bom percurso junto dos seus leitores.
Uma boa semana.
Um beijo.