Tão
logo foram resolvidos os problemas de ordem burocrática que motivaram aquela
longa viagem, os três retornaram à cidade onde fixariam moradia. Seguindo à
risca as prescrições religiosas, o casal apressou-se em providenciar à criança sua
primeira bênção na igreja, dando-lhe o nome de Tupã. Na oportunidade, um ancião
que já há bastante tempo não frequentava aquele templo decidiu, intuitivamente,
presenciar o rito que ali acontecia. Seu Antelmo soube reconhecer, tão logo
colocou os olhos em Tupã, a natureza de sua missão. Aquele encontro significou
para ele o momento supremo de toda a sua sofrida existência. Havia acumulado
grande sabedoria por intermédio das decepções que tivera, extraindo delas o
necessário para seguir em frente com convicção, sem entregar-se por inteiro à
dor. Assim como Hélio, também tinha fé no surgimento de uma nova geração que
seria impulsionada pelo exemplo de um indivíduo justo e corajoso em suas
atitudes. A idade avançada abria-lhe poucas perspectivas de presenciar ainda em
carne aquela transformação tão sonhada, por isso conformou-se em apenas
contemplar a fisionomia radiante daquele bebê de colo. Emocionado, parabenizou
os pais da criança. Da mesma forma, uma senhora que ali se encontrava, frequentadora
assídua do templo e rotulada por alguns como fanática, veio render as suas
sinceras homenagens ao menino, testemunhando a favor dele aos presentes, como
se o mesmo fosse um parente sanguíneo.
Ambas as manifestações de carinho e
respeito produziram um certo espanto em Lucas e Aline, que não sabiam ao certo
o que dizer àquelas pessoas. A jovem mãe, lentamente, ia acomodando todos esses
fatos dentro do seu coração.
Decorridos
dez anos, houve a comprovação daquilo que inicialmente apenas as pessoas de
maior percepção haviam visualizado. O guri apresentou uma tendência natural ao
aprendizado e ao frequente questionamento das mínimas coisas que aconteciam ao
redor. Fenômenos da natureza, hábitos de animais, reações nervosas e frases
humanas, Historia Geral, tudo isso e muito mais ocupavam já o seu universo
infantil. Com grande mérito, seus pais iam, na medida das suas possibilidades,
saciando a curiosidade do pequeno investigador. Contudo, começou ele a sentir
uma crescente necessidade de buscar mais.
Ao término de um congresso promovido
pela igreja de seus avós maternos, Tupã resolveu interrogar os pastores sobre
interpretações das Escrituras. Lucas e
Aline só foram notar a sua ausência no exato instante em que o ônibus deles se
aproximava da parada. Bastante preocupados, retornaram passo a passo pelo
caminho que tinham vindo, perguntando a todos que iam encontrando sobre o
paradeiro do menino. Acabaram deparando-se com ele no auditório já quase vazio
onde fora realizada a palestra final do evento. Estava em companhia dos líderes
religiosos e, após ouvir um duro sermão de seus velhos, Tupã, sem alterar a
voz, respondeu-lhes que estivera simplesmente seguindo as suas aspirações
naturais e que, cedo ou tarde, entregar-se-ia por completo a elas. Depois dessa pequena advertência, o garoto foi
acostumando-os, gradativamente, a aceitá-lo como um jovem contestador.
Trecho do meu "O Grande Pajé".