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quarta-feira, 15 de março de 2017

Preparação à Páscoa





          Tão logo foram resolvidos os problemas de ordem burocrática que motivaram aquela longa viagem, os três retornaram à cidade onde fixariam moradia. Seguindo à risca as prescrições religiosas, o casal apressou-se em providenciar à criança sua primeira bênção na igreja, dando-lhe o nome de Tupã. Na oportunidade, um ancião que já há bastante tempo não frequentava aquele templo decidiu, intuitivamente, presenciar o rito que ali acontecia. Seu Antelmo soube reconhecer, tão logo colocou os olhos em Tupã, a natureza de sua missão. Aquele encontro significou para ele o momento supremo de toda a sua sofrida existência. Havia acumulado grande sabedoria por intermédio das decepções que tivera, extraindo delas o necessário para seguir em frente com convicção, sem entregar-se por inteiro à dor. Assim como Hélio, também tinha fé no surgimento de uma nova geração que seria impulsionada pelo exemplo de um indivíduo justo e corajoso em suas atitudes. A idade avançada abria-lhe poucas perspectivas de presenciar ainda em carne aquela transformação tão sonhada, por isso conformou-se em apenas contemplar a fisionomia radiante daquele bebê de colo. Emocionado, parabenizou os pais da criança. Da mesma forma, uma senhora que ali se encontrava, frequentadora assídua do templo e rotulada por alguns como fanática, veio render as suas sinceras homenagens ao menino, testemunhando a favor dele aos presentes, como se o mesmo fosse um parente sanguíneo.
          Ambas as manifestações de carinho e respeito produziram um certo espanto em Lucas e Aline, que não sabiam ao certo o que dizer àquelas pessoas. A jovem mãe, lentamente, ia acomodando todos esses fatos dentro do seu coração. 

        Decorridos dez anos, houve a comprovação daquilo que inicialmente apenas as pessoas de maior percepção haviam visualizado. O guri apresentou uma tendência natural ao aprendizado e ao frequente questionamento das mínimas coisas que aconteciam ao redor. Fenômenos da natureza, hábitos de animais, reações nervosas e frases humanas, Historia Geral, tudo isso e muito mais ocupavam já o seu universo infantil. Com grande mérito, seus pais iam, na medida das suas possibilidades, saciando a curiosidade do pequeno investigador. Contudo, começou ele a sentir uma crescente necessidade de buscar mais.
          Ao término de um congresso promovido pela igreja de seus avós maternos, Tupã resolveu interrogar os pastores sobre interpretações das Escrituras.  Lucas e Aline só foram notar a sua ausência no exato instante em que o ônibus deles se aproximava da parada. Bastante preocupados, retornaram passo a passo pelo caminho que tinham vindo, perguntando a todos que iam encontrando sobre o paradeiro do menino. Acabaram deparando-se com ele no auditório já quase vazio onde fora realizada a palestra final do evento. Estava em companhia dos líderes religiosos e, após ouvir um duro sermão de seus velhos, Tupã, sem alterar a voz, respondeu-lhes que estivera simplesmente seguindo as suas aspirações naturais e que, cedo ou tarde, entregar-se-ia por completo a elas.   Depois dessa pequena advertência, o garoto foi acostumando-os, gradativamente, a aceitá-lo como um jovem contestador.


                                   
                         Trecho do meu "O Grande Pajé".

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