- Espera! Desce!
Gentilmente, como requer a situação, ela apertou com
rapidez o botão AP (Abrir Porta). Entrou então um senhor grisalho, com seus
62... 63... 65 anos no currículo. Tinha dentes alvos como o marfim e, num
sorriso um tanto quanto dissimulado, agradeceu com voz desafinadamente
aveludada:
- Pô... Se não é tu... Obrigado filha... Tô
superatrasado para uma reunião...
Em seguida, com interesse, percorreu o seu olhar de
peixe-morto pelos 1 metro e 75 centímetros de Dirce, reparando na sua beleza
fresca e primaveril. Tinha ela um jeito todo juvenil de ser, e isto estava
impresso na forma como se vestia, andava e sorria. Quando percebeu as
“sodômicas” intenções do ancião, ficou embaraçada como uma menina. Nervosa,
colocou cinco ou seis vezes uma mecha de seus cabelos ondulados para trás da
orelha direita, buscando disfarçar o mal-estar que sentiu. Não lhe dirigiu
qualquer palavra nem olhou mais em seu rosto, contudo era-lhe evidente que ele
continuava a apreciar as suas curvas bem esculpidas.
Por fim, o recato inicial dela deu espaço a uma
indignação profunda, e o seu instinto de autodefesa a fez encará-lo com
severidade e sem medos. O que viu, no encontro de olhares, repugnou-a ainda
mais. O grisalho, perfumado e bem alinhado em seu traje escuro de sarja,
percorria com os seus olhos famintos, um trajeto metódico, com intervalos
sincronizados. Seu nariz lembrava um focinho de porco, e a gordura acumulada em
seu ventre e pescoço deixava-o ainda mais à imagem e semelhança de um suíno. O
tal homem cobiçava-a de cima a baixo, de baixo a cima e depois de cima a baixo
novamente. Olhava desde os seus pezinhos mimosos até o agradável feitio do seu
rosto moreno claro, de lábios carnudos e olhos grandes. Fazia isso lentamente,
com prazer e desfrutando até onde o tempo e a ocasião lhe permitiam. Dirce
percebeu ainda um discreto movimento horizontal em sua língua, à medida que
passeava a vista impura pelos pés, tornozelos, coxas, quadris, barriga e seios
dela. Isso, definitivamente, esgotou-lhe a paciência. E, quando preparava ela
uma bofetada certeira, o elevador chegou enfim ao 1.º andar.
Quando a porta reabriu, quis ela, inicialmente, vingar-se,
puni-lo ou tão somente xingá-lo. Assim que o perdeu de vista, no entanto,
sentiu um surpreendente desânimo. Naquele momento, teve vontade de fugir para
um lugar bem distante e não conversar mais com ninguém. Sim, ela sabia que era
atraente e por isso recebera já muitas cantadas picantes, mas aquele homem...
Cruzes! Tinha algo particularmente sujo e degradado em suas intenções.
Sentiu-se profanada em sua condição de mulher inteligente e romântica. Saiu do
elevador em direção ao chuveiro. E ele, a passos rápidos, olhando o relógio,
deixou o prédio e acenou para um táxi
que vinha vazio pelo outro lado da rua. O motorista fez o retorno e
levou-o até a sede da Pastoral da Igreja Católica para a sua reunião de trabalho.
Era o Padre Adolfo, que estivera no Residencial Parque Imperatriz para visitar
um diácono amigo seu.
Trecho de “O Grande Pajé”
(disponível em formato impresso via link do PagSeguro no próprio blog)
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