Por entre o nevoeiro, frio
labirinto de trevas, vigio meu jantar desta noite. Trata-se de uma garota que
exibe inocência, de tão pura. De certa forma, é comovente, por pensar que está
segura.
Não há nela resquícios da solidão
que sentia quando a conheci. Foi há umas sete noites. Ela na janela do seu
quarto implorando por companhia, o olhar profundamente melancólico. Sua pele
pálida refletia a luz do luar. A vida insistia em acompanhá-la, apesar de ela
parecer ter desistido da vida. Simplesmente fiquei seduzido.
O desejo agora me penetra e dilacera
de tanta intensidade. Preciso tê-la. Minhas presas latejam diante da
expectativa de saborear o gosto daquele sangue em meus lábios.
Aproximo-me da janela que permaneceu
aberta. Entro. Na cama, minha vítima adormecida e vulnerável. Seus cabelos
negros repousam sobre o colo lúbrico e generoso. Uma brisa doce e reconfortante
entra pela janela. Aliviado, percebo a ausência de crucifixos e de qualquer
religiosidade.
A distância entre mim e minha amada
parece inofensiva. Inquieto, prestes a me fartar, vou em direção a ela. Esbarro
em algo caído no chão. O barulho é suficiente para despertá-la. Nossos olhares
se cruzam. Meus olhos sedentos por prazer, os dela, amedrontados. Ela grita.
Tento hipnotizá-la. É inútil. Ela
continua a gritar. Um tanto retraído, tento acalmá-la. Mas não adianta. Ela
uiva por dores que parecem florescer no âmago da terra. A loucura de seus
berros ecoa e corrói minha cabeça.
A ordem de tudo muda. Os atores são
substituídos. Torno-me vítima indefesa. Deixo minha fome de lado. Só quero sair
dali o mais célere possível. Corro, batendo a porta atrás de mim.
Do lado de fora, assustado, ainda
ouço alguns gritos. Seguro firmemente a porta, certificando-me de que a
criatura e toda sua histeria permanecerão longe de meus pobres ouvidos imortais.
Retorno à escuridão da noite, que
está calma e silenciosa, toda a volúpia esquecida e minha fome sem ter sido saciada.
A partir de então me ofendo sempre que me descrevem como aberração.
Kamila Ail
Fonte: Coletânea Literária
IPDAE- 2006
Um comentário:
Gostei de ler.
Abraço
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