Tornar as drogas ilegais não as faz
indisponíveis.
Quando vamos a uma padaria, no caixa,
á vista de uma criança, há sempre uma propaganda de cigarro, responsável por
incontáveis mortes em todo o mundo. E, no entanto, um jovem amigo meu, branco
de classe média, foi preso comprando maconha, e não há nenhuma morte associada
ao seu uso. Ele dormiu numa cela com quarenta bandidos, até que no dia seguinte
foi solto: sua mãe conseguiu um advogado. Se ele fosse da periferia, onde a
maior parte dos jovens é afrodescendente, provavelmente estaria até hoje
apodrecendo na cadeia. Para que punir quem usa droga com prisão, quando se sabe
que não existe cadeia sem drogas?
Há algum tempo atrás, uma amiga
antropóloga fez uma pesquisa numa conferência de sadomasoquismo num dos hotéis
da rede Holiday Inn. Se os sadomasoquistas podem curtir sua vida como quiserem,
por que um sujeito não pode escolher a substância que pretende consumir? Se
alguém pode saltar de paraquedas, ou praticar algum esporte de risco, apenas
seguindo umas poucas regras de segurança, por que, no caso de uma substância
recreativa, o governo pode proibi-la?
O cigarro mata, faz mal, dá mau
hálito, mas alguém acha que proibir é o bom caminho? Muitos dizem que em países
como o Brasil as pessoas não têm educação para decidir o que fazer. Na nação
das construtoras, a democracia é carbonizada com propina. Além de ser difícil
confiar nos nossos legisladores, tornar as drogas ilegais não as fará
indisponíveis. Tenho a convicção de que a porta de entrada é o traficante,
porque é ele quem vai oferecer uma nova substância mais aditiva ao usuário, e
não a maconha em si. Não faz sentido achar que a maconha leva ao crack. É como
dizer que a masturbação leva ao estupro. Hein? A Holanda sabe disso e, apoiada
na teoria da separação de mercados, lançou mão de uma anomalia jurídica: o coffeeshop,
onde a polícia tolera a venda de pequenas
quantidades de maconha obtida de forma ilegal. Ainda assim, o país teve sucesso em afastar o usuário
de maconha da heroína. Décadas depois, o Estado do Colorado, nos Estados
Unidos, foi além criou os dispensaries, que vendem maconha
legal a maiores de idade, minando a vida de traficantes locais, economizando em
construção e manutenção de presídios e ganhando dinheiro de impostos para
investir em escolas.
Um amigo meu me levou outro dia a um
bar caro e chique de samba no Vidigal, no Rio (local antigamente chamado de
favela). Por que não se vende ali maconha de forma legal? Os impostos não
poderiam ajudar a ter escolas melhores, mais esporte, lazer e cultura, estes
sim fundamentais na prevenção ao abuso? Alguém acredita que a lei realmente
impede alguém de fumar maconha num morro? Ciência e racionalidade estão acima
do moralismo, tradicional cortina de fumaça usada por muitos para esconder suas
verdadeiras agendas. Brasil, está na hora de regulamentar a maconha. Afinal,
não estamos apertando os aposentados e trabalhadores em busca de mais recursos
para o Estado? Por que não lucrar com os impostos da maconha e economizar
dinheiro da falida guerra contra as drogas? Mais importantes são as vidas
perdidas e o futuro interrompido na periferia.
Fernando Grostein
Andrade
VEJA 03/05/17
Um comentário:
Um texto muito assertivo.
Abraço, saúde e uma boa semana
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