Já vimos que não havia na mensagem ou na missão de Jesus nada que fosse externo ao judaísmo. Ele era judeu, filho de pais judeus, criado de acordo com a cultura judaica; tornou-se professor da lei judaica, reuniu ao redor de si um grupo de seguidores judeus e ensinou a eles a essência do que considerava a verdadeira veneração ao Deus judeu.
Jesus era um profeta apocalíptico judeu. Ele antecipou que o Deus dos judeus logo iria intervir na história, derrubar as forças do mal e implantar seu reino bom na Terra. Jesus disse às multidões judias que, para entrar nesse reino, elas precisavam fazer o que Deus ordenara nas leis judaicas. Especificamente, elas tinham de cumprir os dois principais mandamentos da lei: amar a Deus com todo seu coração, sua alma e sua força (citando Deuteronômio 6:4-6), e amar ao próximo como a si mesmas (citando Levítico 19:18). Ele insistiu: “Desses dois mandamentos dependem toda Lei e os Profetas” (Mateus 22:40).
Quando os reais ditos e feitos de Jesus são reconstruídos, todos eles se encaixam firmemente nesse parâmetro apocalíptico judaico. Apenas seus seguidores posteriores acharam que ele estivesse criando uma nova religião. Ele aparentemente não tinha qualquer intenção de criar uma nova religião. A sua religião era a dos judeus, corretamente interpretada (em oposição, claro, às outras interpretações, como as dos fariseus e saduceus).
Alguns de seus seguidores posteriores mantiveram o caráter judaico de sua proclamação. Contudo, à medida que a religião cristã se expandiu em outras direções, esses seguidores passaram a ser classificados como heréticos. Esta é uma das grandes ironias dos primórdios da tradição cristã: que a forma original da religião tenha sido expurgada e atacada.
Os seguidores de Jesus conhecidos como ebionitas insistiram em que Jesus nunca pretendera renegar a lei; como ele era o Messias judeu enviado pelo Deus judeu para o povo judeu em cumprimento à lei judaica, e como ele mesmo abraçava de todo o coração a lei judaica, seus seguidores precisavam ser judeus — e tinham de seguir a lei. Se a lei diz que os homens do povo de Deus devem ser circuncidados, então assim deve ser. Se diz que o povo de Deus deve comer kosher, então assim deve ser. Se manda que guardem o sábado, eles têm de guardar o sábado. Os ebionitas afirmavam que essa era a postura defendida pelo próprio irmão de Jesus, Tiago, o líder da igreja de Jerusalém. Estudiosos admitiram que eles podiam estar certos.
Uma visão semelhante parece ter sido preservada no Evangelho de Mateus. De fato, ele expressa a crença de que a morte e a ressurreição de Jesus são o segredo da salvação, como os próprios ebionitas insistiam. Mas também diz que Jesus ensinou a seus seguidores que precisavam cumprir a lei se quisessem entrar no reino dos céus. Na verdade, eles tinham de seguir a lei ainda melhor que os próprios líderes dos judeus (Mateus 5:17-20). Nesse Evangelho, Jesus é retratado como um mestre da lei que transmite seu verdadeiro significado a seus seguidores. Ele nunca os estimula a violar nenhuma das leis. Ele os estimula a segui-lo observando a lei.
Fonte: Extraída do livro "Quem Jesus foi? Quem Jesus não foi?" - Bart D. Ehrman
Nenhum comentário:
Postar um comentário