Obedecendo à estrutura de um romance, talvez seja a hora de falar um pouquinho mais dela, que fez uma escolha em estado de embriaguês, se arrependeu em seguida, mas que viveu intensamente aquilo que pra ela valia à pena. Foi influenciada pela paixão, quando decidiu apostar fichas nele. A sensação de abandono era grande, após esses meses todos e isso causa grande desconforto na mulher, mexe até com o seu metabolismo e até a Medicina já comprovou isso. Apesar de não ser belo, o cara tinha algo que agradava e isso todos vocês já sabem.
Talvez nem ela na verdade se arrependa hoje do que fez, afinal das contas, foi bom enquanto durou. Decepcionante, entretanto, na realidade
Julgar a Edna é coisa que absolutamente me nego a fazer.
"É carnaval, é uma doce ilusão, é promessa de vida no meu coração."
"Vou beijar-te agora, não me leve a mal, hoje é carnaval."
'Enquanto houver garrafa, enquanto houver barril, presente está a turma do funil."
Foi louco. Foi animal. Biológico. Corpo, tão somente. Até tentaram se amigar mas aconteceu que no dia-dia, na rotina ás vezes estressante de todo casal, não conseguiram sustentar algo duradouro.
Melinho não tinha uma opinião, uma posição forte sobre nada. Não lia nem jornal. Não sabia nada de história ou geografia. Nunca ouvira falar de Check-in pois só conhecia aeroporto pelo lado de fora. Pelotas era o seu mundo e poucas vezes tentou arredar o pé de lá. Não curtia Secos e Molhados, Zé Ramalho, nem Vanessa da Mata. Gostava, isso sim, de pancadão, de Bonde das Popozuda. Só opinava, e mesmo assim sem muito conhecimento, sobre futebol. Tinha raciocínio falho, não acompanhava certas ideias que ela projetava, tentando construir planos pro futuro deles. Viveram 2 meses e meio juntos, não deu pra passar disso. O carinha era estranho, com tendências dominadoras, machistas, egocêntricas. Vivia culpando a mãe e os irmãos toda hora, falava mal deles. Sentia-se injustiçado. Perdeu a paciência, se sentiu enfrentado, quando Edna, uma certa ocasião, falou que ele devia perdoar e seguir em frente, sem esperar que os outros fizessem alguma coisa por ele. Ficou tiririca. Por pouco, muito pouco, não botou fogo na casa. Gritou, bateu na mesa, ameaçou.
-- Tu tens qui ficá na tua e sê minha parceria. Afinal tu tá de que lado afinal? Vais dá razão pra esse bando de ingrato? Não vem querendo dizê o que eu tenho que fazê. Olha só... (Dedo em riste) Te acalma e te preocupa cum a tua vidinha. Não gosto desse tipo de toque aí.
Queria uma mulher, basicamente, para servi-lo. Necessitava, na verdade, de uma cortesã que fosse empregada doméstica. Na culinária, assava um churrasco e não passava disso. Cozinhar, pelo visto, nunca havia sido preocupação pra ele. Até fritava ovos pra si, de vez em quando, mas deixava a cozinha toda engurdurada, pia abarrotada de prato, copo, talher, tudo pra mulher limpar.
Dois dias após se concunbinar, mudando pra casa dela, retornou ao final da tarde, como de costume até então, todo carinhoso, aquela coisa toda. Dessa vez veio com dois sacolões amarelos, grandes, daqueles que a Farmacia Econômica dá quando a gente compra fraldas. Tavam cheios de roupas pra lavar. Eram peças dele, algumas engomadas, duras de tão sujas e vencidas.
--Negrá... se não for te pedir muito, é claro... me dá uma força com essas sacola? É só dessa vez, já tenho uma senhora que sempre lava essas roupa minha. Ela dessa vez precisô fazê uns exame na Santa Casa essa semana e não deu pra pegá serviço. Mas na próxima semana eu já posso levá as sacola pra ela de novo. É que dessa vez acabô acumulando muito e eu tô ficando empenhado de roupa, tô com pouca coisa pra vestí, pra trabalhá...
Pra não criar atrito naquele início de relação, ela lavou, de fato, todas aquelas peças dele. Calças, casacos de moletom, algumas bermudas, camisas, camisetas, dois bonés, tudo que tava lá dentro, inclusive cuecas, ceroulas e meias. Se ficou naquele primeiro instante paralisada e surpresa com tamanha cara de pau, teve vontade de esganá-lo, no segundo momento, pouco mais de duas semanas após, quando reapareceu ele com outras duas trouxas daquelas. Dessa vez, já foi colocando direto no cesto de roupas sujas, ao lado do tanque.
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Nidoparasitismo é considerado o comportamento manifestado por algumas espécies de aves que as leva a depositar sua postura, ou parte dela, em ninhos de outros indivíduos de sua mesma espécie ou de outra espécie.
O nidoparasitismo intraespecífico, ou seja, entre espécies distintas, é uma estratégia de reprodução na qual alguns indivíduos (os parasitas) deixam seus ovos em ninhos de indivíduos de outras espécies (os hospedeiros), que proporcionam o cuidado parental à prole do parasita. A ecologia do parasitismo de ninhos por aves foi revisada por Payne em 1977, que chegou a conclusão que cerca de 1% de todas as espécies de aves são parasitas de ninhos, deixando sua prole ser criada por outras espécies. Existem nidoparasitas em diversas famílias de aves pelo mundo, dentre elas: Anatidade, Cuculidae, Indicatoridae, Icteridae, Ploceidae e Viduidae. Temos como principal representante deste comportamento na Europa o cuco (Cuculus canorus) e na América do Sul o chupim (Molothrus bonariensis).
De uma forma geral as aves que não constroem os seus ninhos estão apresentando um comportamento nidoparasita, como é o caso da andorinha-do-campo (Progne tapera) que é extremamente dependente daqueles construídos pelo joão-de-barro.
O chupim é conhecido pelo hábito de colocar seus ovos no ninho de outras aves, para que as mesmas possam chocá-los, criá-los e alimentá-los como filhotes. Por isso acabou virando sinônimo de aproveitador¹.
Molothrus bonariensis é uma ave passeriforme da família Icteridae. Os machos de tais animais possuem uma coloração aparentemente preta, mas quando expostos ao sol, brilham em um tom azul-violeta, enquanto as fêmeas são mais pardacentas e menos reluzentes.
Também são conhecidos pelos nomes de anu, anum, arumará, azulão, azulego, boiadeiro, brió, carixo, catre, chopim-gaudério, corixo, curixo, corrixo, corvo, engana-tico, engana-tico-tico, gaudério, godério, godero, gorrixo, grumará, iraúna, maria-preta, negrinho, papa-arroz, parasita, parasito, pássaro-preto, uiraúna, vaqueiro, vira, vira-bosta e vira-vira.²
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Ora, se a própria natureza nos mostra que há espaço para diversos tipos de comportamentos dentro de cada gênero, quem se atreverá à dizer que o Melo estava totalmente errado. Não por acaso, o apelido que mais circulava entre seus conhecidos quando o assunto era ele, vinha dessa fonte de inspiração. Lá vem o Chupim. Hiii...o Chupim já tá armando pouso... Fála Negão Chupim! Da mesma forma que a simpática avezinha, Melo priorizava ninhos já construídos e companheiras com contracheque e renda fixa. Sondava bem o terreno pra se envolver quando valesse de fato à pena. Era interesseiro, não dava ponto sem nó. Estendia um braço hoje pra pedir dois mais adiante.
Casa mobiliada, mulher, comida e roupa lavada era o quadrilátero perfeito. Pra isso ele vivia. Pra isso ele cativava mulheres. Pra ter teto onde morar e sair do aluguel de vez. Se sentia dono, de fato, do imóvel em que se hospedava. Achava que todos aqueles bens, por outros conquistados, eram seus, sem problema algum, em nome da partilha, do amor.
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-- Essa Tarcila, foi uma baita ingrata comigo... Muito botei comida pra dentro das panela dela... Agora me esnoba, mas parece tê esquecido a baita ajuda que eu dei pra ela. É que nem aquele irmão que eu te falei naquele dia, o que mora em Santa Catarina. Ajudei o cara na mudança dele, quando se mudô pra casa anterior dele, aqui em Pelotas. Vivia lá consertando os aparelho elétrico dele, cortador de grana, ventilador, aspirador de pó... Apoiava, dava força pro cara e o que qui ele fez por mim nesses ano todo? Nada. Agora tá bem, bem empregado. Carro bom, não muito antigo, casa nova... Vê se pensa em fazê alguma coisa pelo cara... É foda! Me diz se isso é irmão mesmo...
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Sejamos francos, era uma mulher cara. Pra manter o seu padrão de vida, não era pra qualquer um. Não que ela pedisse ou precisasse que alguém pagasse-lhe as contas. Estava às vésperas de se aposentar, tinha renda própria e para um chupim isso inevitavelmente chama a atenção.
Os olhos do Melinho brilharam quando, naquele baile, durante o intervalo, fora do salão, nutrindo-se com o ar fresco da noite, soube esse detalhe da sua vida privada. Por dois meses e meio, conseguiu novo ninho para jogar as suas trouxas e pra chamar também de seu. Após alguns dias em adaptação no novo ninho, como em tantos outros casos seus, ele, de fato, se adonou do pedaço. Chamou até amigos sinistros pra jantar. Começou a perder a paciência com um sobrinho dela, gurizinho, queridinho, filho da sua irmã. Gritou algumas vezes com a criança, como se pai fosse. Reclamava que as roupas não tavam ficando sem manchas, brancas, limpas, . Chegava tarde, a hora que queria. Não dava muita explicação. Dizia que tava trabalhando, fazendo umas extra pra ajudá no rancho do mês.
A primeira ida ao super juntos foi particularmente curiosa. Se refletirmos, parece ter sido realmente um divisor de águas na curta vida em comum que tiveram.
Na gôndola daquele primeiro corredor tinha suco em caixa marca CY, preço promocional, atrativo, só que ela já foi direto no Do Bem, preferido da classe média alta , na prateleira de cima. Em seguida, na seção de frios, laticínios e congelados, o iogurte Corlac tava num preço bom, que dava pra levá até de bandeja, mas a dieta da moça exigia que fosse o Activia da Danone. Saindo dali, em direção à padaria, numa grande mesa, pacotes amontoados dos biscoitos Paquetá, em promoção, eram um convite. A dondoca se apresentou com um tal Mixed Nuts , num pote de vidro, dizendo que só come esse tipo de petisco, matematicamente cinco veze mais caro que o primeiro. Ainda no assunto biscoito, dessa vez recheado, o super dava de barbada um tal Tritex, novo na concorrência. Pouco importou pra Edna, fã incondicional da Bono Nestle, nem etiqueta de preço olhou ao apanhar rápido, sem dar tempo de reação. O descontentamento dele se repetiu na parte de higiene e limpeza, no lado oposto, cruzando o corredor central. Ela tirou os dois galões de amaciante Gota Limpa, colocados por ele no carrinho, e botou três do Confort, que eu nem preciso aqui dizer o preço, os olhos da cara. Foi nesse instante que o caldo começou a engrossar. Melo olhou atravessado, bateu nervoso na perna, contrariado, praguejando algo, que não deu direito pra escutar. Alguns passos adiante foi a vez do desinfetante de banheiro. Aceitem ou não grande parte de vocês, em vez de aproveitar a oferta do Girando Sol, num preço que poucas vezes se encontra, madame balançou a cabeça pra declarar preferência por um Harpic Active Fresh, que segundo ela, eliminava 99,9% das bactérias. No shampoo, outro desacerto. Em vez do Colorama, sempre acessível à todos os bolsos, a mulherzinha veio com seu Phytoervas Plus Pró-v, um luxo, top de linha. O carinha teve várias vezes prestes á explodir, mas só realmente levantou a voz e jogou longe o carrinho, no corredor nove, o da cerveja. No baile onde tudo começou, retrocedamos no tempo, tomaram Itaipava em latão e ninguém reclamou, encheram a cara. Ali, agora, pra contrariar, não aceitou ela um fardo de Kalena, que o cidadão se ofereceu pra lhe dar de mimo, na cortesia. Apontou com altivez pra Kaiserdon, alemã importada, e confessou que gostava mesmo era dessa, um primor de degustação, e dessa vez houve atrito de verdade.
-- Baaah... Mas é cheia de frescura... Mulher assim, na boa, já não me serve.
Em casa, logo que entraram, Edna foi colocando logo os pontos nos is. Falou que não precisava ser sustentada e que ganhava mais que ele, mensalmente. Isso bastou pra deixá-lo todo nervosinho, ofensivo, puto da cara. Bateram boca a noite praticamente inteira. Começava ali a desmoronar o castelo. Esmoreceu o já enfraquecido clima de romance que existia ainda entre eles. Começou a pegar nojo do cara. Nem ajudar nas despesas ele ajudava tanto assim. Tornou-se um incômodo, agregado à uma casa própria que nem dele era.
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No instante em que me encaminho ao epílogo de mais uma narrativa, aproveito para rebater, publicamente, as críticas que venho sofrendo, á maioria via wats, por esssas abordagens mais erotizadas que tenho enveredado a caneta. Logo eu, que trato, na maioria das vezes, tão diversas e construtivas temáticas. Á esses, que vem simplesmente me julgando ou ainda, em casos extremos, desfazendo comigo amizades virtuais de longa data, excluíndo-me de seus contatos, peço-lhes tolerância, pois não conhecem-me de outros carnavais. De igual maneira, não imaginam o quanto Edna se queixou pra mim desse sujeito, nem como achei injusta a ingratidão dele em relação a mãe, uma excelente pessoa, talhada para o ofício da maternidade. Precisei contar essa história pra extravasar um pouco o carnaval do "Fica em casa". Do "Não te aglomera," num país que avança à passos lentos pra tão sonhada vacinação em massa, única forma de conter uma pandemia dessas. Retratar um Melinho da vida, eu sei, pode não parecer auspicioso. É ele o responsável direto por essse mergulho à baixaria, à chinelagem, que no capítulo à seguir ponho um fim.
Em verdade, quem colocou um fim no relacionamento foi ela. Não aguentou o cara. Mandão. Nunca encheu um balde com água pra ajudar ela no tanque. Achava que mulher nasceu pra serví, pra passá ropa, pra lavá toda loça, pra estendê lençol na corda.
Mentiroso. Após duas semanas de ajuntamento, começou a passsar ela pra trás, chegava de madrugada ás vezes, só dizia que tava trabalhando pra bancá a parte dele, pra mantê a casa. Fazendo umas corrida extra de moto-boy. Já não era mais o quase príncipe arrebatador daqueles primeiros momentos ébrios. Pra não ser deveras implacável e só ficar julgando, pendendo pro lado dela, ressaltando só o que ele não conseguia ser, faço aqui um adendo, pra novamente admitir que o homenzinho, apesar de não muito bonito, atlético, cooperativo, em contrapartida, era um gladiador, um domador de leoas. Atrevido e ousado no jogo do amor. Fabricado pra enlouquecer a mulher na cama. Disposto como um corcel. Fértil como um coelho.
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Foi cada um pro seu lado, aparentemente, em paz. Não deu certo, não era o que ela, principalmente, queria. Por ele, tava bom, era assim mesmo. Mulher pra serviçal. Ele é que tava certo.
Essa paz era aparente, por que ele a amaldiçoava pelas costas, quando não mais juntos estavam:
--Sustentei ela, Evandro. Muito matei a fome daquela mulher. Pintei toda a cozinha dela. Uma vez, paguei a conta de luz que tava atrasada, ela não tinha pago. Eu vivia ajudando a irmã dela, que tava estudando e não tinha dinhero pra comprá material de aula... Uma ôtra vez, colhí abacate pra filha do meu irmão, no fundo do pátio da nossa tia... Agora me diz, eu tô certo ou não tô? Enchi os pneu da bicicleta da minha irmã varias vezes. De boa, sem esperá nada em troca. Agora vai vê cumé qui são as coisa... Não me ajuda. Não me dá força. ... Ainda me cobra um dinhero que eu tô devendo pra ela. Na real, ela nem precisa, ganha bem no trabalho. Tem bom carro. Casa. Chama pizza toda hora. Baah... É foda. Nunca pensam no lado do cara... Tu não acha que eu tô certo, Germano?
-- Tá sim, Melinho, é isso aí mesmo. Dissestes tudo. Concordo contigo. Tu é um cara legal. Parceria. Lôku.
Cesar
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