Maria Celeste tinha acabado de tomar o seu café com leite servido por Maria da Glória, comera duas grossas fatias do pão feito na véspera, bem barradas de geléia de goiaba; Maria de Lourdes reclamou da noite, não havia conseguido dormir muito bem: só peço a Deus que aqueles pesadelos que eu andei tendo no inverno do ano passado não voltem, estão lembradas? o Soturno enchendo, as águas vinham lá de cima em ondas, terminava por cobrir a cidade e a gente ficava aqui em casa como se ela fosse um barco, em redor só se via água e céu, como aquelas histórias de navios perdidos no mar e sempre uma de nós caía naquelas águas negras e não se podia salvar; esta noite sonhei com chuva.
Estavam agora todas ao redor da mesa, a irmã mais velha perguntou: então, Maria da Glória, conseguiu afinal fazer algum bicho? Ela servia a mesa, trouxe o bule de alumínio e a leiteira de cima do fogão, foi buscar mais pão do armário; respondeu que fizera alguns, mas que não estava acertando, de manhã jogava tudo fora senão elas iriam rir-se dela que não sabia fazer as coisas direito. Maria Celeste cortava um pouco mais de pão: hoje de manhã encontrei duas penas da galinha preta debaixo da mesa, não vai me dizer que estás usando as penas que a gente precisa para os travesseiros e para alguns dos bichos que nos encomendam. A irmã mais moça respondeu: usei só um pouquinho, o resto está no saco lá no porão. Maria de Jesus ficou zangada: que coisa, Santo Deus, não comecem uma discussão sobre penas de galinha, isso é coisa que não tem cabimento, é só pedir para os meninos que andam por aí e eles nos trazem uma tonelada de penas de todas as cores e todos o bichos. Maria da Glória mostrava-se nervosa, pediu: se já acabaram de tomar o café, por favor, bem que podiam ir para a sala e deixar a cozinha aqui comigo para a limpeza, que tenho outras coisas a fazer no quintal hoje.
Foram todas para a sala de trabalho, sentaram-se ao redor da toalha, menos Maria Celeste que foi para a sentadeira e já regulava o binóculo, enquanto as outras separavam linhas e catavam as suas agulhas preferidas. Maria de Jesus exclamou: tanto trabalho para terminar saindo um bilhete qualquer, quem sabe para uma gente que nem sabe das valor ás coisas feitas á mão. Maria Madalena disse: e isso se não sair para a casa da Zica e depois ficar na mesa delas para os sem-vergonhas de Lagoa Branca derramarem cerveja em cima ou queimarem o pano com ponta de cigarro. Maria de Fátima contestou a opinião da outra: pois eu prefiro que saia para a casa da Zica do que para a cadela da D. Isabel, que essas pobrezinhas são o que afinal todos sabem o que elas são e não enganam ninguém e nem se misturam com senhoras honestas nos bailes do Clube Comercial.
Capítulo de "Os Tambores Silenciosos" (Josué Guimarães) - 1976
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