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sábado, 19 de agosto de 2023

Despedida na rodoviária

            


        O pequeno havia deixado cair ao chão uma moeda de R$ 1,00 destinada ao cigarro da mãe. Dirigiam-se ao armazém. A cena sintetizava a própria história daquela área municipal ocupada irregularmente por eleitores de um certo vereador, que no fervor da campanha eleitoral havia prometido transformá-la em bairro modelo, dotado de toda infraestrutura necessária. Estavam todos ali, amontoados, longe do centro da cidade e sem qualquer perspectiva de inserção social. Geravam mais e mais herdeiros pra dividirem aquela miserável herança. A educação precária á qual estavam submetidos, aliada às poucas perspectivas e vagas no mercado de trabalho da região, projetavam um triste destino aos jovens e crianças da vila. A criminalidade surgia, então, como aparente solução óbvia. Todas as formas de delitos e trapaças faziam parte de suas rotinas. Cada um desconfiava do vizinho ou até mesmo do próprio parente. Eram frequentes as pancadarias por disputa de utensílios domésticos, furtos, traições conjugais e demais rixas surgidas daquela estressante convivência diária.

            Como nada de belo havia à apreciar em seu cotidiano urbano, Mairi passou os seus últimos dias lá em total reclusão, na privacidade do seu apartamento. Estudou bem mais à fundo filosofia oriental, encontrando nela o alento que precisava para aqueles dias de expectativa. Silenciou dessa forma  as agitações internas que começavam a perturbar sua mente. Durante esse período de espera, interrompeu apenas raras vezes a sua meditação, sempre pra visitar o Dr. Munhoz, seu confidente, amigo e professor.

            Quando partiu, já não demonstrava qualquer sinal de hesitação. Aquele desafio interior transformara-se na motivação máxima da sua existência. O místico contato com aquele pássaro havia, de fato, marcado o fim de um ciclo e o início de outro. Não sentia mais qualquer atração pelo antigos objetivos de acadêmico típico da classe média. Na rodoviária, no instante exato da despedida, chorou baixo enquanto pronunciava as palavras finais à Munhoz, que como poucas vezes na vida,  também transparecia comoção. Como se fosse um pai orgulhoso, o educador fitou profundamente o aluno, numa silenciosa benção final antes da interrupção final, vinda dos alto-falantes:

-- Partindo às dezoitos horas, do box três, o ônibus da empresa Itamirim, com destino á Guaraíra.



Trecho do meu livro "Tribo de papel", escrito nos primórdios da minha juventude e ainda inédito do grande público.

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