Entramos no mês em que, tradicionalmente, os brasileiros refletem com mais intensidade questões como o racismo e afirmação do povo negro, num mergulho à suas raízes africanas. Nada, pois, mais oportuno do que abrir a sala de visitas do blog pra alguém com linhagem e autoridade no assunto.
Conforme sinalizei alguns meses atrás, trago á partir de agora, em quatro atos, "O Batuque de Nação Òyó no Rio Grande do Sul" um livro bem interessante pra quem estuda ou sente curiosidade sobre o tema. Independentemente da amizade que tenho com o autor, genuíno Mestre Griot da tradição yorubá, considero que a obra cumpre, numa linguagem popular e de fácil assimilação, o papel de esclarecer muitas dúvidas e tabus criados em torno da religiosidade afro-brasileira.
Espero que curtam essa viagem e, como eu, aprendam um pouco mais sobre esse assunto que carece ainda de maior explanação.
O Batuque, ou Batuko, é uma denominação que, como muitas outras, veio na bagagem dos seres humanos escravizados trazidos do continente africano do século XVI até o século XIX. Mas, na oralidade, ele veio a ser trocado na boca dos escravistas de engenho. Na origem, Batuko ou Batuque, em Cabo Verde, é um prática cultural que existe desde há muitos séculos nesse povo.
Na formação inicial, o Batuko cabo-verdiano é praticado por homens, mas seguidamente também por mulheres. Elas ficam sentadas no terreiro em formato de roda, batendo em algo tipo uma almofada revestida de couro colocada no meio das coxas. Ao bater coma a palma da mão tiram um som igual a de um tambor, com afinação grave. É praticado por senhoras e jovens, de todas as idades. Ao mesmo tempo, cantam alegremente, enquanto uma pessoa dança sozinha no meio da roda e assim vão revezando no meio do terreiro,
Todos os cabo-verdianos conhecem o Batuko, que ainda hoje é uma prática cultural muito conhecida. Há antropólogos e historiadores que estudaram o Batuko de Cabo Verde, como a pesquisa de Gláucia Nogueira intitulada "Percurso do Batuku: Do menosprezo a patrimônio imaterial", em que se encontram informações importantes. Quem me explicou o que sei do Batuku de Cabo Verde foi a senhora Sadine Correia, cabo-verdiana que mora em Porto Alegre, criadora da marca "Afroberdiana"
Na colonização, por volta do século XVIII, O Batuku foi criminalizado pelos escravistas, como tantas outra práticas africanas. Há registros de proibição em um bando oficial do Governador Português de Cabo Verde, que dizia que essas reuniões de Batuku propiciam desordens à noite "com tanto excesso que chega a ser por todos os fins escandalosos a Deus e de perturbação às leis e ao sossego público". A mentalidade colonial sempre viu essas práticas culturais africanas como desordem que se opõe à moralidade e à civilização, sem compreender seu significado. No máximo, as visões mais ingênuas, permitiam o Batuko como uma prática que servia aos escravizados para "esquecer os pesares", como se fosse um simples divertimento.
No Brasil, o Batuque propiciou uma forma do Povo de Òyó confundir aos seus guardiões e os senhores, seus malfeitores, para poder manter suas tradições e cultuar suas Divindades.
Os negros escravizados aqui no Brasil saíam do trabalho braçal no sistema escravista e em seus momentos de descanso, no curto tempo que tinham, sem eles saberem que dia era do mês, nem que ano, nem onde estavam -- só sabiam que estavam acorrentados -- após saírem dos canaviais eram jogados dentro das senzalas. Num certo horário, um dos escravizados cantava e os demais respondiam em suas línguas nativas, e quando era permitido dançavam em rodas, um atrás do outro, batendo com os pés, quem ainda tinha força. Eu penso que era a única maneira deles lembrarem de suas origens e falarem entre eles em suas línguas nativas, e ao mesmo tempo rezar para suas divindade Òrisàs. Para eles era a única esperança de sobreviver do castigo que tinham no dia a dia, porque nunca foram abandonados pelas suas divindades Òrisàs.
Continua na próxima postagem