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domingo, 15 de dezembro de 2024

Dezembro Yeshua III- Tomé

 



            Para aqueles interessados em Jesus de Nazaré e nas origens do cristianismo, o Evangelho de Tomé é o mais importante manuscrito descoberto. Além das escrituras canônicas e de alguns poucos escritos vagos, o Evangelho de Tomé é a nossa única fonte historicamente valiosa dos ensinamentos de Jesus. Embora esteja disponível nas línguas europeias desde os anos 1950, ele ainda é objeto de intenso escrutínio e debate pelos estudiosos bíblicos. O Evangelho de Tomé é mais ou menos da mesma época dos evangelhos canônicos do Novo Testamento, mas contém palavras de Jesus que apresentam visões muito diferentes da religião, da natureza da humanidade e da salvação, o que levanta a questão se a versão dos ensinamentos de Jesus do Novo Testamento é inteiramente precisa e completa.

        No final de 1945, um camponês egípcio chamado Mohammed Ali al-Samman Mohammad Khalifa cavalgava seu camelo na base de um penhasco, esperando encontrar fertilizantes para vender na aldeia próxima de Nag Hammadi. Descobriu, em vez disso, uma grande jarra de cerâmica selada enterrada na areia. Temeu que nela pudesse conter um gênio que pudesse fazer-lhe mal ou atacá-lo, e esperava que pudesse conter um tesouro. Reunindo coragem, quebrou a tampa da jarra e descobriu somente uma coleção de doze livros velhos. Suspeitando que pudessem ter valor no mercado de antiguidades, pegou os livros e os vendeu por uma pequena soma. Os livros gradualmente foram chegando às mãos de estudiosos no Cairo, Europa e América. Hoje aqueles livros são conhecidos como a biblioteca de Nag Hammadi, uma coleção que é considerada por alguns pesquisadores do Novo Testamento e do início do cristianismo, como a mais importante descoberta arqueológica do século XX. A biblioteca de Nag Hammadi contém o Evangelho de Filipe, o Evangelho da Verdade, o Evangelho dos Egípcios, o Livro Secreto de Tiago, o Livro Secreto de João, e muitos outros textos fascinantes de períodos compreendidos do segundo até a metade do quarto século depois de Cristo. Os doze livros contêm 52 textos ao todo, 40 dos quais eram previamente desconhecidos dos estudiosos.

            De todos os textos de Nag Hammadi, de longe o mais significativo é o Evangelho de Tomé. Estudiosos sabiam da existência desse evangelho antes da descoberta de Nag Hammadi porque ele era mencionado nos trabalhos de Hipólito, um padre da igreja do terceiro século. No final do século XIX, fragmentos do Evangelho de Tomé em grego foram encontrados no rico sítio arqueológico egípcio conhecido como Oxyrhynchus, uma descoberta que instigou grande interesse entre os estudiosos do Novo Testamento porque os fragmentos continham ensinamentos de Jesus que eram conhecidos do Novo Testamento, mas pareciam ter sido transcritos de uma tradição oral independente e, portanto, eram uma nova fonte dos ensinamentos de Jesus.


Na próxima postagem, trago alguns trechos desse evangelho.

                   


Fonte: "Um passeio com quatro Guias Espirituais", livro de Andrew Harvey

domingo, 1 de dezembro de 2024

Dezembro Yeshua I

 



            Em coerência com o histórico desse blog no mês de dezembro, ano à ano, deixo de lado a diversidade de assuntos possíveis pra se abordar e mergulho em meditação sobre o Cristo Jesus,Yeshua para os judeus.

    Muito se projetou, bastante se inventou e outro tanto se perdeu dos Seus autênticos ensinos. A própria data verdadeira do Seu nascimento é um ponto que precisaria ser colocada em discussão o que, por ora, não trarei aqui pra vocês. Limito-me a declarar o meu respeito à Esse ilustre guia dos povos e a minha decepção com certos rumos que o cristianismo tomou e continua tomando ao longo da história.

    Um ótimo e fraterno dezembro à todos e que as nossas atenções fluam para o que realmente importa nesse mês em que tradicionalmente desejamos o bem e nos preparamos pra novos ciclos de vida.

                       🙏   

quinta-feira, 21 de novembro de 2024

COP- 29 Miragem no deserto

 



          Ao menos na teoria, era pra ser um encontro de líderes mundiais preocupados em encontrar soluções pro nosso planeta em meio ás alterações climáticas que devastam os continentes, sem exceção. O que vemos, no entanto, infelizmente, são poucas propostas imediatas e concretas pra reverter essa mentalidade exploratória em relação ao meio ambiente e as pessoas. Teve até presidente aqui da América do Sul que ordenou a retirada da sua delegação das discussões em Azerbaijão, por não concordar com a visão ambientalista do evento.

      Lamentável, deplorável e revoltante, principalmente quando refletimos que esses caras são líderes e representantes oficiais das suas nações. Desembarcaram em Baku como turistas, pra torrar dinheiro público com suas  diárias.

       É muito pouco em relação ao que  a Terra, nesse instante, necessita. A ideia da conferência, em si, é boa, o problema são os atores atualmente em cena, políticos pouco comprometidos com o futuro e com suas próprias palavras.

      

       

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Na margem


            Por aqui, é hora de remexer novamente na minha primitiva produção literária. O livro é "No limite das palavras" e não chegou à ser publicado. Tem um forte caráter autobiográfico e resolvi deixá-lo, por ora, de lado, pra ser lançado, talvez, quando eu me tornar famoso.                 


                                                                           (...)

            Após doze horas de viagem com os outros recrutas, um cabo e um sargento responsável pela turma, chegaram ao seu local de destino, juntando-se à outros rapazes de cidades e estados vizinhos. Formavam ao todo uma turma de noventa novos marujos.
         Charlie adaptou-se relativamente bem à nova rotina, provando pra si mesmo que podia sobreviver sem as tradicionais mesadas do  pai e ainda por cima cuidar das próprias roupas, sem o cuidado super protetor da mãe. Isso foi pra ele, naquela fase de vida, importante conquista.
          A Escola de Formação dava fundos para uma praia que, apesar do límpido aspecto, segundo comentários dos instrutores militares,  estava contaminada com certo produto químico,  impossibilitando banhos e mergulhos no local. Os limites da Escola abrangiam cerca de setecentos metros dessa praia. Haviam árvores que embelezavam a paisagem litorânea de ponta á ponta, alinhadas a uns trinta metros da margem. Debaixo de uma delas estavam colocados dois bancos de praça. E foi justamente sentado num deles, diante daquela sugestiva paisagem, logo na primeira semana em que lá chegou, que escreveu as suas primeiras PALAVRAS em terra estranha.
 

                             Na margem


             Por que esse mar ora tão manso,
                  ficou agora tão feroz?
                          Ao certo não deve ser minha presença,
                        que está a lhe incomodar.
                       Quem sabe seja alguém, lá do outro lado,
                         a forte suas águas soprar.
                            Ou talvez apenas por capricho,
                        resolveu se rebelar. 
                              
                               Eu respeito a força dele,
                               São pra ele essas rimas.
                               Por que eu aqui escrevo?
                               Talvez só por agradecimento,
                               à essa única companhia minha.
                               Talvez pela minha mania de exaltar,
                               o que pouco foi exaltado.
                           Pela minha atração pelo que é majestoso,
                               por tudo que não cobra pedágios, 
                               nem esconde a sua beleza pura.


                               Quem sabe nas suas águas,
                               não habite uma bela sereia,
                               que venha até mim e cante uma canção do mar.
                               Sob o bater de asas das gaivotas,
                               que circundam a praia,
                               me vejo frente a um gigante isolado,
                               que vive sem ultrapassar a terra,
                               abundante à sua volta.


                               Está em seu lugar de direito,
                          em contraste com a lua cheia.
                               Ele representa a solidão,
                               e todo mistério que envolve essa vida.   
                             
                      (...)
                                          
                          

         

domingo, 3 de novembro de 2024

Jamaica, arte & periferia

 


            Os bairros da periferia (como o de Trench Town (foto acima) crescem rápida e desordenadamente. Não há empregos para todos e a tensão social chega a níveis insuportáveis. Muitos jovens se entregam à criminalidade e passam a ser chamados de rude boys (em inglês, assim como em português, rude significa grosso, mal educado). Como muitos destes rude boys usavam dreadlocks ¹ , o preconceito contra os rastas, que já era grande devido ao consumo público de ganja ², cresce injustificadamente. Ás populações carentes e especialmente aos rastas, restava a esperança de ganhar a vida através da arte. Muitos deles dedicaram-se à música.  É impressionante que um país pequeno como a Jamaica, cuja população pouco supera a marca de 2,5 milhões de habitantes, tenha revelado uma quantidade tão grande de músicos, influenciando a música popular ao redor de todo o mundo. A música, principalmente o ska, dos anos 60, e o reggae, nas décadas seguintes, acabou sendo a grande divulgadora da filosofia rastafari, dentro e fora da Jamaica. Infelizmente, o movimento rastafári, talvez devido à sua complexidade, nunca foi muito entendido, mesmo na Jamaica (veja-se o exemplo dos rude boys). É comum encontrar pessoas que pouco conhecem sobre a cultura rasta ostentando enormes dreadlocks. Muitas vezes, suas atitudes acabam contribuindo para a manutenção do estereótipo segundo o qual os rastas são criminosos drogados. Mas a cultura rasta continua ganhando adeptos em todo o mundo, e está cada dia mais sofisticada. A busca pelo conhecimento de nossas raízes e, principalmente, a resistência aos valores superficiais incentivados pela sociedade de consumo, são grandes exemplos a ser seguidos por qualquer homem, seja ele negro ou não, rasta ou não.




¹  Penteado característico da cultura rastafári que consiste em fios de cabelos enrolados em formato cilíndrico.

² Maconha


Fonte: www.casadoreagge

sábado, 26 de outubro de 2024

Porã

 


            Mais uma vez, por motivo de força maior, pra matar a ociosidade que provoca a falta de energia elétrica, consegui iniciar e concluir a leitura de mais um livro pro meu currículo. Fortes ventanias aqui no sul do país deixaram grande parte das cidades gaúchas sem luz e mais uma vez esse Servidor Público ficou praticamente todo o expediente sem ter o que fazer.

     "Porã", de Antônio Hohlfeldt, é um livro bem fino, de pouquíssimas páginas, mas que transmite uma mensagem sobre o preconceito de pele, fazendo-me refletir que, não necessariamente, é preciso escrever uma obra extensa, épica, pra mergulharmos fundo na alma do leitor.  A obra narra o primeiro dia letivo de uma criança indígena numa escola da cidade. Começa e termina indo direto ao ponto da discriminação racial, apontando culpados, consequências e heróis.


" Porque a professora tinha feito aquilo comigo? Eu sempre tive muito orgulho de me chamar Porã. A mãe tinha me dito que Porã era o nome de um avô do avô do meu avô, que era muito valente, e que por isso eu devia respeitar aquele nome e ter orgulho dele. E eu tinha muito respeito e levava aquele nome com muito orgulho. Por essa razão, não liguei muito quando aos pessoas da cidade me deram outro nome, "tu agora vais te chamar Pedro", me disseram.

Porque eu era Porã e, mesmo que quisessem juntar os dois, Pedro e Porã, ou Porã Pedro, eu era Porã, este nome era meu e isso me alegrava muito."


          O autor nos faz perceber a culpa individual que cada um de nós, pai ou mãe, pode carregar perpetuando esse sentimento tão equivocado e nocivo, que faz alguém menosprezar o outro tão somente pela cor da pele.


"... Se você prende uma árvore de uma maneira, ela vai crescer assim. Se você prendeu torta, ela vai crescer torta. Se você prendeu direito, ela vai crescer bonita. Se os pais destas crianças ensinaram que o índio não é gente, ou que nós somos vagabundos, elas só vão repetir o que ouviram dos adultos."


         Conforme dito, o livro é de poucos parágrafos, mas impregnado pelo aroma e colorido das matas caingangues ¹, mostrando uma triste realidade, mas ao mesmo tempo apontando à um caminho de superação individual pra lidar com a situação. É minha sugestão de leitura, recomendável pra quem precisa, como eu, entretenimento por breves instantes, até que luz volte, ou pra uma viagem de ônibus dentro da cidade, em dia de engarrafamento.


¹ Etnia indígena retratada na obra.




domingo, 20 de outubro de 2024

Grande Pajé- O conto

 


            Lorena recebeu do médico, exultante, a notícia de sua gravidez. Não conseguia esconder a alegria que transbordava em cada recando do seu ser. As esperanças que alimentara haviam sido finalmente recompensadas. Agora poderia terminar, com novo ânimo, as últimas peças do enxoval que bordara na certeza de um dia vesti-lo em seu próprio bebê. Ela, que sempre fora a calma e a tranquilidade em pessoa, agora atingira o ápice da felicidade. Teria. enfim, a única coisa que faltava em sua virtuosa vida. Tão logo saiu do consultório começou a vagar pelas ruas do centro da cidade, com vontade de anunciar bem alto a presença da nova vida que abrigava no ventre. Com um sorriso franco e aberto nos lábios, saudava toda e qualquer criatura viva por quem passava, sem distinguir sexo, idade, raça ou espécie. Tudo parecia ter um colorido novo e não havia naqueles momentos nenhum pensamento grande o suficiente para roubar dela a felicidade estampada em seu rosto. Andando distraidamente, olhou para o segundo andar de um repartição pública, onde um pomba-rola pousara num dos três mastros da fachada para fazer uma cuidadosa limpeza nas penas da asa direita. Lorena, naquele instante, chocou-se de frente com uma menina-moça que caminhava também meio desligada, enternecida por um cãozinho de rua que abanava o rabo sem receber dos transeuntes qualquer atenção. Ambas reagiram com bom humor diante da colisão. Enquanto ajudava a jovem a apanhar os cadernos e o diário pessoal que ela deixara cair no chão, a mulher de Hélio sentiu um familiaridade marcante naquele semblante. Convidou-a para tomarem juntas um refrescante suco de abacaxi na lanchonete da outra quadra, pois o calor estava escaldante. A princípio, Aline, um pouco encabulada, alegou um compromisso qualquer, tentando se esquivar da proposta, porém Lorena acabou convencendo-a com uma habilidade maternal. No desenrolar da animada conversa que tiveram naquele dia, descobriram o parentesco próximo que as unia. Na última vez que haviam se encontrado, Aline era ainda uma garotinha de seis anos de idade, por isso não tinha qualquer lembrança do convívio com aquela senhora à sua frente, sua tia. Algumas desavenças antigas haviam dividido a família e a discórdia estendera-se aos descendentes. Na realidade, esses últimos pouco sabiam da verdade sobre os fatos, mais ainda assim não "se davam". Lorena, contudo, recordava-se perfeitamente daquele rosto delicado, que conservava os mesmos traços meigos da infância.


Fonte: Trecho de "O Grande Pajé", conto-crônica que dá título ao meu 2º livro.

sábado, 12 de outubro de 2024

Crianças da Sepultura

 



            Por aqui, hoje, se comemora o Dia das Crianças, data especial, válida como reconhecimento ao papel que elas desempenham no mundo, tornando-o mais tolerável, doce e alegre. Minha homenagem em forma de versos vai não somente pros pequenos, mas pra minha banda favorita dos anos 70's, o Black Sabbath com seu som pesado, cheio de letras críticas e místicas.

        Parabéns e que Deus proteja à todas as crianças do mundo, pois elas são a semente de um novo tempo.



Revolução em suas mentes

As crianças começam a marchar

Contra o mundo em que tiveram que viver

E todo o ódio que há em seus corações

Elas estão cansadas de ser controladas

E mandadas

Elas lutarão contra o mundo até ganhar

E o amor esteja por todos os cantos

Crianças de amanhã vivem

Nas lágrimas que caem hoje

Trará o nascer do sol de amanhã

Paz para eles?

Deve o mundo viver

Na sombra do medo atômico?

Elas conseguem vencer a guerra pela paz

Ou irão desaparecer?


Então, vocês crianças do mundo

Ouçam o que eu digo

Se vocês querem um lugar melhor pra viver

Espalhem as palavras hoje

Mostre ao mundo que o amor

Ainda está vivo, vocês devem ser bravos

Ou vocês crianças de hoje serão

As crianças do túmulo.




 Letra de "Children of the Grave", canção do álbum "Master of Reality", da banda britânica e metaleira Black Sabbath.                                   



terça-feira, 1 de outubro de 2024

Uma crítica a democracia.

 


          A minha tolerância com o período eleitoral anda baixíssima, venho hoje confessar. É uma mesmice que dói os ouvidos e agride o intelecto. "Eu quero trabalhar pra ti e serei o teu representante na Câmara, meu número é 666..." Jingles de campanhas ridículos, promessas falsas, ataques pessoais, tudo isso imposto goela á baixo através dos meios de comunicação, em horário obrigatório, garantido por lei.

       Penso que a obrigatoriedade, tanto de votar, quanto de ouvir propaganda política fere contraditoriamente o princípio da democracia. É preciso preservar a liberdade individual de se mergulhar ou não nesse jogo, sem imposição em rádio e TV.

      Aqui em Porto Alegre provavelmente teremos 2º turno pra corrida à Prefeitura, por isso, até meados de novembro, encerrando por aqui meu choro, o negócio é resignação e esperança na mudança de dentro pra fora que deve partir de cada um de nós.

           E que vença o(a) menos pior.

         

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Cansaço

 


          As pernas cansadas denunciam um cansaço que vai além: ele vem do fundo e transparece mesmo nos olhos. As mãos erguem-se poucas para o que deve ser feito e não pedem nada mais. Há que se compreender que o cansaço toma a alma antes do corpo. A mente antes do corpo. E só depois se revela, transpirando pelos poros. O corpo quando cansa faz sair por seus membros o cansaço.. O repouso é tudo para ele e a esperança também. O tempo é aliado. A mente quando cansa faz sair pela boca o seu cansaço. O repouso consegue apaziguar, e mesmo sem esperança vem a cura. O tempo é amigo. A alma quando cansa faz sair pelos olhos o seu cansaço. Não há repouso que ajude nem esperança que cure. O tempo é o algoz.


Fonte: Livro "O Silêncio Alheio"- Jacqueline Aisenman- Design Editora, 2015

segunda-feira, 9 de setembro de 2024

Queimando sem parar

 


          Bem que podia ser uma postagem sobre música do Planet Hemp mas dessa vez, infelizmente não é. Hoje estou falando da situação alarmante das queimadas em meu país, principalmente em áreas como Pantanal e Amazônia, cinturões verdes de biodiversidade. É fogo por todo o  território. É fumaça tóxica se espalhando pelo ar trazendo enfermidades. respiratórias à população.

      Aqui no Rio Grande do Sul, já fazem dias que o sol não aparece em sua plenitude, ofuscado por essa fumaça soprada das regiões norte, nordeste, centro-oeste e sudeste. Nosso céu tem permanecido cinza, nunca tinha visto isso antes, só quando passei, décadas atrás, pela maior capital da América do Sul, São Paulo.

      É preocupante  ver matas e florestas incendiadas sem trégua e o mais grave, há indícios de que grande parte desses incêndios são criminosos, ou seja, causados propositalmente por seres humanos.

       Oxalá as lideranças que estarão  reunidas em Mato Grosso de 10 a 14 de setembro, no Grupo de Trabalho de Agricultura pro próximo G20, encontrem em consenso, maneiras de exortar os líderes mundiais à  não ficarem em cima do muro. Que venham ao Brasil não a passeio, mas pra discutirem soluções objetivas pra frear de vez essa visão exploratória,  ultrapassada e criminosa que a maioria dos governos tem sobre o meio ambiente.

                                                               🙏

      

     

 

domingo, 1 de setembro de 2024

21 anos de militares no poder

 


            O movimento militar que em 1964 depôs o presidente João Goulart ocupou o poder máximo da Nação por 21 anos, a mais longa ditadura da história do Brasil. Uma época agitada, marcada pela forte oposição ao regime que governava o país e por uma igualmente forte repressão aos opositores. Censura nos meios de comunicação, tortura e cassação de direitos políticos mancharam o período. Nos planos econômico e social, foram os anos do Milagre Brasileiro, da Copa do Mundo de 1970, da rodovia Transamazônica, da ponte Rio-Niterói e, no final do regime, da crescente inflação e do aumento da dívida externa.

          Cinco militares ocuparam a Presidência da República no período: os marechais Humberto de Alencar Castello Branco e Arthur da Costa e Silva e os generais Emílio Garrastazu Médici. Ernesto Geisel e João Baptista Figueiredo. Os partidos políticos foram extintos. O bipartidarismo, com a Arena (situação) e o MDB (oposição), e as eleições indiretas para presidente da República, governador e prefeitos das capitais foram adotados ainda no início do governo militar.

            A mais drástica e autoritária das medidas do novo regime veio em 13 de dezembro de 1968: o ato institucional nº 5, o AI-5, que permitia ao presidente fechar o Congresso Nacional, dava poderes para suspender a garantia de habeas corpus em caso de crimes políticos contra a segurança nacional, cassava mandatos e suspendia direitos políticos. Sob a sombra do AI-5, os brasileiros viveram o período mais negro da repressão. No outro extremo, viveram também os anos do Milagre Econômico. Na primeira metade da década de 1970, o país experimentou taxas elevadas de crescimento do PIB, interrompidas pela crise internacional de 1974.

            Foi no governo Geisel, a partir de 1974, que o autoritarismo do regime começou a ceder. O AI-5 foi revogado, as denúncias de tortura diminuíram, a censura se tornou mais branda. Era o início da abertura política "lenta, gradual e segura", que resultou na anistia política de 1979. No plano econômico, o aumento do preço do petróleo fez a inflação disparar. A crise se agravou no governo Figueiredo, com inflação anual acima de 200%, a maior que o Brasil já havia registrado. Os militares deixaram o poder em 1985, quando Tancredo Neves foi eleito o primeiro presidente civil do país em mais de 20 anos.


Fonte: Jornal "Correio do Povo", 5 de outubro/2005- Edição Comemorativa  de 110 anos.

          

sábado, 24 de agosto de 2024

Revista A Voz Negra

  


          Graças à um concurso de minicontos,  acabei exercitando recentemente uma forma sucinta de escrever que provavelmente se refletirá em minhas próximas histórias. Meus contos, reflexão seja feita, andavam longos demais, beirando à romances. Não quero relegar o passado, por favor não me entendam mal. Apenas percebo agora ter chegado à  um momento de ruptura com algumas temáticas e estruturas trabalhadas à exaustão em meus livros anteriores. O tempo, só ele, desvendará os novos rumos, porém, uma direção parece ter sido apontada através do já mencionado certame.

   Na verdade, por estranho que pareça, guiado pela intuição, nem cheguei a participar do concurso, mais um daqueles caça-níqueis que aparecem "do nada",  aos montes no facebook, direcionado aos "Novos talentos literários". Achei o regulamento bastante duvidoso, com premiações dignas de um conto de fadas e pulei fora da barca, antes mesmo de navegar. 

  É lamentável que canalhas, como em tantas outras áreas de atuação, estejam brincando com o sonho de autores desconhecidos ou estreantes,  em busca de um lugar ao sol.

  Após meu emotivo desabafo, antes de publicar aqui, em primeira mão, o miniconto especialmente escrito pro concurso, deixo um recado aos que não duvidarem que conselho, pode sim ser dado de graça e ser bom: Antes de pagarem qualquer taxa de inscrição à concurso literário, leiam bem o regulamento e questionem aos organizadores suas possíveis dúvidas antes de fazer depósito ou PIX á toa. É válido, eu sei, investir na carreira, mas existem outras outras formas de fazer isso tendo um retorno seguro e transparente.


      Abraço e que a paz esteja com todos.


               ##############



            -- Vai dá uma matéria e tanto pra página da revista... – pensou Mariane,  a recém formada em jornalismo, orgulho dos pais.

         Entrou na faculdade pelo sistema de cotas, queiram ou não alguns, aceitem ou questionem outros.

      Bloco, caneta e gravador em mãos, foi pro terreiro de candomblé, á pedido do redator-chefe da revista cultural em que trabalhava. Encarnou de corpo e alma a missão, disposta a desmistificar pros seus leitores parte do culto aos Òrisàs, combatendo assim o preconceito.

          Nem ao menos uma página completa escreveu, entretanto. Pouco mais de 5 minutos de rezas, seguidas de algumas poucas batidas de atabaque, foi o que ela conseguiu gravar. A polícia, furiosa, bateu na porta e mandou parar tudo, á  mando de um vizinho.

            

sábado, 10 de agosto de 2024

Valsinha


   Uma coisa que realmente me impressiona no Chico Buarque, um dos autores desse música, que foi gravada pela cantora Amelinha em dueto com Toquinho  nesse LP que  tenho em minha coleção, é a sua sensibilidade em penetrar na alma feminina. Algumas músicas sua ,com efeito, passam a impressão de terem sido compostas por mulher. 
   Fica aqui pois, o meu reconhecimento à esse compositor chave da Música Popular Brasileira. 







 

sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Princípios da bhakti yoga


 

                 O corpo não é o eu. Nosso corpo material é um saco de ossos, sangue, urina e tantas outras substâncias impuras. A mente, que faz parte do corpo material em nível sutil, também é diferente da alma. Toda vez que experimenta emoções mundanas temporárias, a mente as considera reais, o que lhe dá apenas um pouco de prazer e lhe provoca muita angústia!

         Somos almas individuais, e não corpos ou mentes. Nossos corpos são mortais. Nenhum médico ou cientista deste mundo consegue impedir a velhice. Um dia, daqui a vinte, trinta ou cinquenta anos, envelheceremos. Nossa beleza e poder desaparecerão. Não seremos capazes de andar sem a ajuda de uma bengala e, depois de algum tempo, morreremos. Seremos forçados a abandonar tudo o que acumulamos ao longo da vida. Nada neste plano de existência será capaz de nos salvar dessa situação. Se nos dermos conta disso e nos empenharmos em Seu serviço amoroso, seremos felizes de fato.

          Enquanto almas espirituais, somos partes integrantes do Senhor Supremo. Almas presentes em todas as espécies de vida -- das mais rudimentares, as plantas e os animais, por exemplo, às mais complexas, como os seres humanos e semideuses --, são partes integrantes dEle. Os Vedas, as antigas escrituras da Índia, afirmam: "Deus é um só. Tudo neste mundo é expansão de Seu poder, ou energia". Como não creem em Deus, os ateístas acreditam nas forças da natureza. Para eles, tudo surge da natureza e a ela retorna. No entanto, a natureza adorada pelos ateístas é simplesmente uma parte da energia desse Senhor Supremo.


Fonte: "Alma, identidade espiritual e outros segredos"- Shri Shrimad Bhaktivedanta Narayana Goswami Maharaja-  Braja Editora

domingo, 21 de julho de 2024

Yout.com


  

             À quem interessar possa, descobri, após experimentar várias alternativas frustrantes, uma ferramenta gratuíta e segura pra transformar vídeos do  Youtube em arquivos MP3 sem a necessidade de baixar qualquer programa no PC. Sou um aficionado por som, daqueles bem retrô, que não se rendeu aos métodos contemporâneos de acesso á conteúdo músical, via plataformas Streaming. 

   O processo é simples, basta acessar o site   https://yout.com/video/, colar a URL de qualquer vídeo musical do YouTube na barra de busca localizada no topo da página e optar pela formatação à MP3. Em alguns poucos minutos o arquivo fica pronto pra ouvir no próprio computador ou como prefiro fazer, transferir à um pen drive. Ao contrário da maioria das outras alternativas disponíveis na internet pra esse mesmo fim, não existem aqueles incômodos anúncios e assédios pra se instalar tal e qual programa ou comprar um pacote mais completo. Há uma versão, opcional paga, mas não é obrigatória. Quem quiser e puder contribuir pagando, é justo, pois os mantenedores do site possuem despesas mensais pra mantê-lo em funcionamento.

    Tô plenamente satisfeito com o resultado e abastecendo-me constantemente de boa e diversificada música em meus pen-drives. Espero que a dica venha à ser útil pra algum de vocês, provavelmente aos mais antiquados como eu. 


domingo, 7 de julho de 2024

Stress, o conto

 


          Transcrevo hoje um trecho de "Stress, o conto", que fez parte do meu primeiro livro, publicado no longínquo ano de 2007 (é por esse e alguns outros motivos que começo a perceber que tô ficando velho). Como esse conto é um pouco extenso, resolvi reproduzir um recorte apenas, pra não me estender por muitos parágrafos dessa vez. Como acontece com todo escritor, meu estilo mudou um pouco de lá pra cá, no entanto um ponto de contato com o presente são os diálogos dos personagens, vívidos, tingidos com as cores da periferia urbana. 

     Apertem os cintos e viagem comigo nesse trem ao passado, rumo ao extremo sul do Brasil. 


          Nivaldo, no quadragésimo quarto ano de sua vida, dava explícitas demonstrações de tédio e cansaço, tanto físico quanto mental. A sua rotina resumia-se a escutar, pela manhã, o programa radiofônico "Desperta Peão", na Rádio Cruzeiro do Sul, a trabalhar como Office-boy Auxiliar do Serviço de Identificação Distrital e a realização de pequenos reparos no chalé de madeira que dividia com os cupins, um cusco velho e o fruto genético-corporal de sua relação carnal com a ex-concubina do tio da irmã da concunhada do primo da avó do sobrinho de seu ex-colega de quartel, Amâncio. De vez em quando, aos finais de semanas, essa sequência monótona era rompida com a visita inesperada de algum parente. Mesmo que esses encontros não lhe trouxessem qualquer benefício prático, exceto o acúmulo de mais e mais fotos em seu álbum de família, seus parentes insistiam na preservação desse costume patriarcal. Ávidos por comida e informações pessoais, chegavam eles lá pelas 11:30 da manhã, debandando apenas ao entardecer, ao final do programa televisivo "Domingo Banana Show". Tio Hugo, Tia Ruth, Nana, Rogerinho, Mano e Cia. Ltda, haviam e continuavam sendo educados à moda antiga. Deviam reproduzir, comer, beber, trabalhar e serem recompensados com as tradicionais confraternizações familiares. Aqueles momentos hipócritas eram para eles o ápice da felicidade na Terra.

           Na hora do almoço, um debate democrático, regado a bastante cerveja, desenterrava acontecimentos hilários do passado em comum. Risadas histéricas marcavam o ritmo e davam um bizarra mostra de desiquilíbrio e felicidade apenas passageira. O assunto morria sempre antes do tempo esperado e, aí sim, as fofocas ganhavam espaço definitivo. Finalmente, sem mais nada a dizer, voltava cada um ao seu dia-dia, já na contagem regressiva para a próxima "chegança".

         Com um vida tão carente de maiores atrativos, o efeito não poderia ser outro: STRESS. Ás vezes acordava assustado no meio da madrugada, procurando recibos e talões fictícios no bolso do pijama, temendo o término do expediente bancário. A situação começou a revelar-se emocionalmente crônica quando, contrariando a sua personalidade, foi surpreendido pelos colegas de repartição, escutando no rádio uma canção, com os olhos embargados de lágrimas:

Era uma vez,

     um lugarzinho no meio do nada,

     com sabor de chocolate,

     e cheiro de terra molhada...  

 

   ... Uma história de amor,

   de aventura e de magia,

   Só tem a ver, quem já foi criança um dia .♪   


          As suas emoções começaram a aflorar publicamente, atestando algo de anormal naquela compenetrada mente, tão mergulhada nos percalços diários. Na vila, comentava-se que já há bastante tempo não era "visto com ninguém".


-- Neidi, mi diz uma coisa, u Nivaldo, afinal, "não é chegado"?

-- Olha, eu nunca vi ele im baile nenhum... Mas há muuuuito tempo atrás, u sogro da Norminha, qui é portêro di boate, dissi qui viu êli na zona.

-- Éééé? Qui barbaridadi... Qui exemplo um cara dêssis vai dá pru filho dêssi jeito?

-- Não sei. Só sei qui aqueli guri é um malandrão qui nunca trabalhô... Ao invés di í nas fábrica fazê ficha, só fica im casa iscutando som á todo pau...

-- Mas i a mãe dêli, qui fim levô?

-- Dexô u Nivaldo pur causa da bebida. Dizem qui naquela época ele só queria trago... Uma vez, nu Bar du Lula, levô um navalhaço nas costa pur causa duma dósi di conhaqui. Paréci qui depois disso ele si ajeitô um pôcu.

-- Pódi até sê, mas as vez ele sai du armazém i passa aqui pelo portão cuma garrafa di vinho branco suave...

-- Vai vê qui ele ainda bébi socialmenti...

-- Qui horror!

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            Há exatos quatro anos sem tirar férias, a sua capacidade de concentração estava bastante prejudicada. Sempre pensando no acúmulo de horas-extras, colocara-se ininterruptamente à disposição do Estado, sem gozar o mês de descanso anual concedido ao trabalhador assalariado, segundo norma do Ministério do Trabalho e do Estatuto do Servidor Público Estadual. Nivaldo vendeu as suas férias, trabalhando em outras secretarias estaduais sobrecarregadas, já que a alínea "b" do inciso 5, artigo 9, parágrafo 2º do estatuto cria uma flexibilidade na carga horária do servidor, denominada aproveitamento.

            Apesar do sacrifício, o seu contracheque não chegava a ser dos mais tentadores, já que os descontos previdenciários e sindicais absorviam grande parte dos proventos. O que sobrava era consumido pelas tradicionais despesas domésticas e o restante aplicado em caderneta de poupança, constantemente violada pelo filho. O garotão, aliás, gastava quase toda a sua mesada em noitadas no "Chamego Club". A sua lábia com as mulheres era muito pouco convincente, fazendo com que as raparigas apenas se escorassem nele, atraídas pelas doses de gim ou vermute que sempre apareciam em sua mesa. Seus assuntos eram banais e destituídos de qualquer temática sedutora. Tinha um senso de humor bastante precário, não conseguindo arrancar risos de ninguém. Ficava tenso toda vez que tentava mentir alguma façanha pra impressionar. Era simplório como um carneiro novo. Espantava as moças que abordava, com coisas do tipo:


-- Antes di mais nada eu já vô ti dando u tóqui... não uso camisinha.


          Mesmo assim, aproximadamente uma vez à cada trimestre, Bira abatia alguma presa evidentemente mais simplória do que ele.

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            Segundo tese do obscuro antropólogo Suedi Chagas, quando os cromossomos de tais indivíduos agrupam-se, propiciando a formação de um terceiro ser, é grande a probabilidade do círculo vicioso se perpetuar. Essa criança, segundo ele, vai futuramente gerar uma outra, obedecendo tão somente às suas necessidades instintivas. Assim sendo, continua o estudioso, o planeta vai sendo povoado por "Hominídeos Antrópogos", designação esta, encontrada pelo antropólogo para classificar seres humanos estacionários, presos a tabus, crenças pueris e preconceitos rançosos compatíveis com suas mentalidades.

          Num artigo seu, publicado na edição IX da revista "Horizonte", intitulado "Procriação Fatal", ele prevê, sem perspectivas otimistas, uma total imbecilização da raça humana se medidas drásticas não forem desde já tomadas, visando coibir o inevitável avanço do libido nas mentes infecundas e incapazes de instruírem os seus filhos em atividades que ultrapassem o ciclo nascimento-reprodução-envelhecimento-morte. Sugere ele, como solução extrema, em última instância, a castração, por parte do Estado, de todos os varões comprovadamente tolos o bastante para confundirem fertilidade com masculinidade, já que os métodos contraceptivos convencionais mostraram-se falhos no decorrer dos tempos. Segundo Chagas, as fêmeas dessa cadeia reprodutivas transformam-se, em razão das circunstâncias, em verdadeiras "máquinas de parir", sem compreenderem a fundo os seus deveres e a grande incumbência social que acompanha a maternidade.

            Acusado de neonazista, o antropólogo aceitou uma sabatina no programa deTV do idolatrado apresentador "Patinho". Lá foi caluniado, difamado e humilhado pelo júri popular, num jogo de manipulação do telespectador. A imparcialidade do mediador fora tão grande que , em duas oportunidades, interrompeu a argumentação de Chagas aos gritos de:


-- Cala a boca! Cala a boca ô pôrra!


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sábado, 29 de junho de 2024

A Síndrome de Cassandra


 

                 Somente quem vivenciou de perto uma catástrofe pode traduzir aos seus leitores a dimensão desses momentos em que o tempo parece conspirar contra. Queremos que essas coisas passem rápido, mas na maioria das vezes temos que exercitar ou desenvolver paciência, resignação e poder de reação.

      O Rio Grande do Sul finalmente começa a reconstruir aquilo que foi devastado na enchente de maio e esse trabalho vai durar meses, talvez anos ainda. E pra exorcizar de vez esse assunto aqui do blog, hoje venho compartilhar o texto de uma colunista do Jornal Zero Hora, que magistralmente sinaliza a lição que deve ficar em cada um de nós, gaúchos, daqui pra frente. Aos que assistiram de longes as cenas da tragédia, também, por sua vez, queira Deus, despertem as suas consciências para as imprescindíveis questões ambientais.  

                           🙏

            

          Cassandra é um personagem mítico, filha de Príamo, rei de Tróia, cidade portuária atacada e, depois de longo cerco, destruída. Ela tem um dom e uma maldição: faz profecias certeiras, nas quais ninguém acredita. Adverte pai e irmãos do risco de uma guerra contra os gregos, mas ninguém a leva a sério, inclusive por se tratar de projeções sombrias que poderiam afetar a moral.

      Quem passou os últimos anos, alguns, as últimas décadas,  repetindo previsões tão assustadoras e certeiras sobre o clima como as da "louca" princesa troiana agora padece de "síndrome de Cassandra". Diante do fato inegável de que as tempestades estão mais frequentes e mais intensas, negacionistas do clima já não tentam fazer de conta que quase dois séculos de uso irresponsável dos recursos naturais não deixaram sequelas.

        Agora, tentam argumentar que não foram avisados a tempo. Ou com o barulho necessário. Ou com a devida ênfase. Ou não foram sacudidos no meio da noite por um cientista exausto de escrever e dar entrevistas.

            Por favor, um pouco de compostura. Não em nome dos cientistas que se cansaram de alertar, as Cassandras do terceiro milênio. Mas das pessoas que perderam familiares, amigos, casa, móveis, eletrodomésticos, memórias, livros e até área de cultivo. Um pouco de compostura.

            Ano após ano, o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), criado em 1988, publicou relatórios com advertências cada vez mais dramáticas. Em março de 2023, o último anual (o próximo é esperado no final da década) pedia “ação emergencial para evitar colapso climático no mundo”.

          Alegar que os governantes de plantão não sabiam ou não foram cobrados antes sobre medidas de prevenção a tempestades severas é tão leviano quanto dizer que os administradores de turno são os únicos culpados pelas perdas do dilúvio de 2024.

        Se até determinado ponto, temas ambientais eram atribuídos a “marxismo cultural”, nos últimos anos até bancos comerciais internacionais e nacionais já condicionaram crédito a medidas de proteção ambiental. Então, governantes atuais e pretéritos têm a obrigação de saber o que ocorre no mundo.

          E Cassandra? Teve fim trágico, conforme os clássicos gregos. Mais trágico foi o fim dos que a ouviram e escolheram não acreditar.




        

Fonte: Coluna da jornalista Marta Sfredo, publicada na edição de 04/06/2024 do Jornal Zero Hora.

segunda-feira, 17 de junho de 2024

Passando o tempo - Parte III


 

           Encerrando a minha atípica série de resenhas, escritas durante esse período de dimensões catastróficas aqui no meu Estado, que me obrigou a pôr a leitura em dia, trago a vocês o livro de um escritor que, só de nome, eu conhecia, Fiódor Dostoiévski.

          À princípio, com ideias preconcebidas sobre o autor, achei que estava embarcando numa leitura pesada, carregada de citações surreais e filosofia ateísta. Francamente, não sei de onde eu tirei projeções como essas, provavelmente porque o nome do homem é difícil de escrever. Pra surpresa minha a leitura fluiu fácil e, fora uma exagerada reflexão do protagonista sem nome, sobre o seu solitário passado, consegui acompanhar sem qualquer problema o desenrolar da trama.

          “Noites brancas” tem como tela de fundo as quatro noites em que um rapaz e uma moça russos, moradores de São Petersburgo,  encontram-se às margens do Rio Negro pra trocarem confidências, desabafos e ansiedades quanto ao futuro.

 

“Hoje o dia foi triste, chuvoso, sem luz, exatamente como minha velhice futura. Fui oprimido por pensamentos tão estranhos e sensações tão sombrias, questões ainda tão obscuras acumulavam-se em minha cabeça, e era como se eu não tivesse forças nem vontade de resolvê-las. Não cabia a mim resolver tudo aquilo!

Hoje não nos veremos. Ontem, quando nos despedimos, nuvens começavam a cobrir o céu e erguia-se um nevoeiro. Eu disse que o dia seguinte seria feio; ela não respondeu, não queria falar contra si mesma; para ela, este dia seria luminoso e claro, e nenhuma nuvenzinha iria encobrir a sua felicidade.

– Se chover, não nos veremos! – disse ela. – Eu não virei.

Pensei que ela não se importaria com a chuva de hoje; no entanto, não veio.

Ontem foi o nosso terceiro encontro, nossa terceira noite branca...”

 

             Sintetizando tudo, a impressão que em mim ficou é de uma obra sobre a  amizade entre dois jovens de sexos opostos. Algumas vezes o sentimento se confunde na cabeça de ambos, mas a relação não chega a ultrapassar os limites da pura e simples empatia entre duas almas. Os diálogos inocentes surpreendem os apreciadores de romances tradicionais, apimentados.

          Recomendo o livro como sugestão de leitura rápida, em tom de diário pessoal adolescente, composto por esse escritor considerado pela crítica e leitores como um dos maiores autores russos de todos os tempos.       

domingo, 2 de junho de 2024

Passando o tempo- Parte II


 

       A segunda obra devorada durante esse fatídico período, já mencionado nas três postagens anteriores, possui  alguns contrastes e poucas semelhanças com a anterior. Há muitíssimo tempo eu não lia uma obra tão extensa, de 321 páginas.  “Eva Luna”, da escritora chilena radicada na Venezuela, Isabel Allende, tem um único contato com “Réquiem para um burocrata”(vide postagem anterior). Ambas abordam a ditadura militar na América do Sul.

          Ao contrário do apático Argemiro, Eva, protagonista da obra, é uma mulher pouco inclinada  à rotinas, corajosa e sempre em busca de autonomia para viver os seus sonhos e exorcizar o passado. Após a morte da mãe, que lhe deixa como herança o dom de contar histórias e uma vida de privações, perambula como hóspede em diversas casas, na função de empregada doméstica, vivendo situações inusitadas e conflitantes em cada uma delas. A sua trajetória vai sendo construída cercada de reviravoltas do destino,  romances, separações, tragédias, mas sempre com uma luz ao fim do túnel, em forma de amizade. O seu envolvimento sentimental com um guerrilheiro opositor à ditadura, nas páginas finais, traz um contorno cinematográfico à obra, com direito a plano de fuga, resgate com helicóptero e repercussão nacional.

         Antes da minha análise pessoal sobre essa obra, tenho de admitir que as minhas leituras anteriores vinham sendo, imperceptivelmente pra mim, marcadas por uma tendência machista, com predominância de autores homens em minhas escolhas. Peço desculpa a todas vocês, pois sempre fui admirador confesso da incomparável sensibilidade feminina e não há motivo plausível pra não intercalar leituras dos dois gêneros.

       Isabel Allende evoca no leitor intensas emoções, que vão da tristeza ao júbilo, da esperança à desilusão. Existem momentos fortes, chocantes na trama, principalmente as narrativas de mortes trágicas. A melancolia percorre grande parte dos parágrafos, no entanto, o poder da imaginação e das palavras apontam pra um caminho libertador. Torci bastante pelo destino da Eva Luna, uma vítima das circunstâncias, jogada ao mundo muito cedo.

 

“Naqueles anos tentei recuperar o tempo perdido. Estudava em uma academia noturna para obter um diploma que depois de nada me valeu, mas que então me parecia indispensável.     Trabalhava durante o dia como secretária em uma fábrica de uniformes militares e, á noite, enchia meus cadernos de contos. Mimi me suplicara para abandonar aquele emprego reles e que me dedicasse somente a escrever. Desde que viu uma fila diante de uma livraria, todos esperando a vez para que um bigodudo escritor colombiano em turnê triunfal autografasse  seus livros, entulhava-me de cadernos, lapiseiras e dicionários. É uma boa profissão, Eva, você não precisaria levantar tão cedo e ninguém ficaria dando-lhe ordens… Ela sonhava ver-me dedicada à literatura, mas eu precisava ganhar a vida e, neste sentido, a escrita é um terreno um tanto escorregadio.”