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quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

A mulher e a TV 29" Tela Plana

             



         Esse é do meu 2º e último livro (2011), e um dos poucos que não havia ainda virado postagem. Só para maiores, é sua classificação indicativa.

      

            -- Comprei uma televisão... Mas cumí aquêli cu...


    Um silêncio de velório envolveu a cabina dos motoristas por um quase exato meio minuto. Ninguém, nem mesmo Cleto, o compadre, compreendeu aquela frase pronunciada em tom sincero de desabafo.

      A cabine, quando ficava apinhada, já ouvira de tudo, principalmente em matéria de sacanagem. Todos, no entanto, abalaram-se com aquela nova manchete para as suas horas de ócio.

       Os olhos de Peixoto, o fiscal, autor da pitoresca frase, chispavam faíscas de satisfação. Foi o próprio quem interrompeu o silêncio e a perplexidade inicial deles. Eram sete horas e dez minutos da manhã. Os motoristas conferiam a escala do próximo mês, afixada na pedra. Pertenciam ao DMLU (Departamento Municipal de Limpeza Urbana) e guiavam os caminhões coletores de lixo mantidos pela Prefeitura Municipal.

      Peixoto era fiscal de operações e coleta. Baixa estatura, 40 anos, dera duro para chegar à função de chefe. Trabalhara antes, por cerca de quinze anos, dirigindo as caçambas do próprio Departamento. Tinha ele, portanto, os méritos de todos que começam de baixo e acabam conquistando degraus na trajetória profissional.

         Para desfazer a atmosfera de suspense que criou, o fiscal confidenciou aos presentes um aspecto curioso de sua vida particular:

          Casou-se, isso todos sabiam, com Keila, ruiva com cara de sapeca e 20 anos mais nova que ele. Na noite de núpcias, tentou fazer barba, cabelo e bigode, mas a rapariga não quis. Obstinado, persistiu durante semanas e meses, até que ela finalmente flexibilizou a sua inicial resolução:

          -- Tá,... Eu até dô... Mas só si tu mi dé uma televisão...


       Á partir dalí, resolutamente, tendo em si a obstinação e o planejamento que conduz o ser humano às grandes conquistas, lançou-se ele ao mundo das horas extras. Para conseguir arcar com as despesas de uma nova compra foram necessários alguns meses de sacrifício e dedicação. Abriu mão até mesmo dos sábados e domingos, seus dias preciosos de diversão e descanso. Focalizou a atenção em apenas duas metas: trabalhar e poupar. Juntou, finalmente, ao cabo de quatro meses, a quantia equivalente a R$ 800,00. Sacou o valor num caixa eletrônico e , com a carteira estufada, entrou na primeira loja Porto Frio que encontrou. Pagou a entrada de uma TV Samsung 29" com som estéreo, entrada de videocomponente, saída S-vídeo e modo zoom. O restante do valor, R$ 149,99, pagou com um cheque pré-datado para 60 dias.


                                                                  


         

            

Um comentário:

Elvira Carvalho disse...

Bom! Que dizer? Foi um prazer que lhe saiu caro.
Abraço, saúde e bom fim de semana